Bolsonaro vai parar nas barras da Justiça por incitação ao estupro em caso de 2014 envolvendo a deputada federal e ex-ministra dos Direitos Humanos. Ele tenta posar de perseguido

A Justiça volta a colocar o ex-presidente Jair Bolsonaro no banco dos réus. Ele será processado pela Justiça Federal em Brasília sob a acusação de incitação ao crime de estupro. A ação se refere ao episódio de 2014 em que Bolsonaro, à época deputado federal, declarou que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “não merecia” e era “muito feia”. O caso chegou a tramitar no STF (Supremo Tribunal Federal) porque Bolsonaro tinha foro especial.

A parlamentar comemorou: “Bolsonaro nunca deixou de ser réu. Aliás, ainda tem muitos crimes para responder. A luta que empreendo com milhares de mulheres por este Brasil afora, já o fez um condenado por danos morais, e nós distribuímos o dinheiro para entidades que lutam contra a violência de gênero. O que não faltam são crimes para colocá-lo atrás das grades”.

Em 2019, Luiz Fux, ministro do STF, suspendeu as duas ações penais nas quais Bolsonaro era réu desde 2016 neste mesmo caso, sob acusação de incitar o crime de estupro e de cometer injúria. O magistrado baseou-se na Constituição, que determina que o presidente da República só poderia ser processado por supostos crimes praticados no exercício do mandato.

Naquele mesmo ano, por uma decisão judicial, o ex-presidente já havia sido obrigado a pedir desculpas a Maria do Rosário. “Em razão de determinação judicial, venho pedir publicamente desculpas pelas minhas falas passadas dirigidas à Deputada Federal Maria do Rosário Nunes. Naquele episódio, no calor do momento, em embate ideológico entre parlamentares, especificamente no que se refere à política de direitos humanos, relembrei fato ocorrido em 2003, em que, após ser injustamente ofendido pela congressista em questão, que me insultava, chamando-me de estuprador, retruquei afirmando que ela ‘não merecia ser estuprada'”, escreveu, à época.

Com o fim do foro especial, os processos a que Bolsonaro respondia foram levados à primeira instância. No dia 1º de setembro, o juiz Omar Dantas Lima, da 3ª Vara Criminal de Brasília, recebeu a denúncia, transformando o ex-presidente em réu. “Os autos vieram conclusos para regularizar o registro do movimento de recebimento da denúncia”, disse o juiz.

Nas redes sociais, Bolsonaro reagiu à decisão. “A perseguição não para”, escreveu o ex-presidente, que mesmo diante da gravidade da acusação, coloca-se na posição de vítima e não de agressor. “Defendemos desde sempre punição mais severa para quem cometa esse tipo de crime e justamente quem defende o criminoso agora vira a ‘vítima’. Fui insultado, me defendo e mais uma vez a ordem dos fatos é modificada para confirmar mais uma perseguição política conhecida por todos”.

Apesar de Bolsonaro ter perdido o foro com o término de seu mandato de presidente da República, o caso só foi enviado para o Tribunal de Justiça do DF em 12 de junho pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. O processo foi distribuído ao juiz relator em 18 de agosto.

Em 24 de julho, em outro processo sobre o mesmo episódio envolvendo Bolsonaro como agressor e Maria do Rosário como vítima — desta vez pelo crime de injúria — o juiz Francisco Antonio Alves de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), deu sentença favorável ao ex-presidente.

Naquele processo, Oliveira avaliou que a ação deveria ser extinta pela prescrição da pretensão punitiva. Na prática, ele entendeu que o processo não poderia ir adiante porque o prazo para o início da ação era de três anos após o suposto crime levado à Justiça.

O juiz do TJDFT disse que a queixa-crime foi apresentada em 2016, teve sua tramitação suspensa após a posse de Bolsonaro na Presidência da República e voltou a ter os prazos contados em janeiro deste ano. Ex-presidente acumula reveses na Justiça desde que deixou o poder. Em junho, foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que decidiu, por 5 votos a 2, torná-lo inelegível por oito anos.

O ex-presidente tem 68 anos e somente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos de idade, ficando afastado portanto de três próximas eleições até lá — sendo uma delas corrida presidencial de 2026. A ação julgada no TSE teve como foco a reunião em julho de 2022 com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República.

Na ocasião, a menos de três meses da eleição, Bolsonaro fez afirmações falsas e distorcidas sobre o processo eleitoral, alegando estar se baseando em dados oficiais, além de buscar desacreditar ministros do TSE.

O ex-presidente é ainda investigado em diferentes frentes pela Polícia Federal. Ele já foi obrigado a prestar depoimento sobre o caso das joias recebidas como presentes de autoridades estrangeiras; sobre instigação aos ataques antidemocráticos do 8 de janeiro; sobre a falsificação de carteiras de vacinação da Covid-19; e sobre um plano golpista citado pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES).

Mais recentemente, Bolsonaro se viu ainda pressionado pela delação do tenente-coronel Mauro Cid, que afirmou à PF que o ex-presidente submeteu a militares de alta patente uma minuta de decreto para dar um golpe de Estado após o segundo turno das eleições de 2022. Bolsonaro foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de outubro. •

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