Ex-presidente depõe durante três horas perante a PF, mas não consegue esclarecer porque tinha interesse em ficar com as joias doadas pela ditadura saudita, no valor de R$ 18,5 milhões já que eram presentes ao Estado. Ele deve ser indiciado por peculato e improbidade administrativa

ENCONTRO MARCADO Jair Bolsonaro chega na sede da Polícia Federal em Brasília para prestar depoimento sobre o escândalo das joias. Falou durante três horas e alegou que só soube do presente milionário em 2022

Foram três horas de depoimento, mas o ex-presidente Jair Bolsonaro entrou na sede da Polícia Federal na quarta-feira, 5, para ser questionado sobre as joias de diamante trazidas da Arábia Saudita. Ele não conseguiu esclarecer se os presentes que entraram no país eram para ser incorporados ao patrimônio público ou presentes particulares que tentou adquirir sem pagar impostos. Embora tenha negado repetidamente qualquer irregularidade relacionada aos presentes, os esclarecimentos não ocorreram. Bolsonaro é suspeito de peculato e improbidade.

Ele alegou ainda que só houve intervenção de seus auxiliares no final do ano passado para evitar um suposto “vexame diplomático” do Brasil com o regime saudita. Segundo o ex-presidente, ele só teve conhecimento de que as joias teriam sido trazidas ao Brasil como presente a Michelle Bolsonaro no ano passado. A versão, porém, choca-se com documentos oficiais do governo.

Como revelou o jornal O Estado de S.Paulo, foram ao menos oito tentativas para retirar as joias do cofre da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, onde estavam retidas desde outubro de 2021. Três das investidas ocorreram ainda naquele ano. E uma delas partiu do gabinete da Presidência da República. Logo após a apreensão, ainda em outubro de 2021, o gabinete de Bolsonaro enviou um ofício ao Ministério das Minas e Energia falando da necessidade de destinação das joias para o acervo pessoal ou da Presidência. Até o Itamaraty foi acionado para tentar liberar as joias naquele ano.

O estojo apreendido em Cumbica e reservado a Michelle continha colar, anel, par de brincos e relógio em ouro branco e diamantes da marca suíça Chopard, avaliado em R$ 16,5 milhões. Ao todo, foram três kits que vieram a público – dois deles com relógio, caneta, terço islâmico e abotoaduras destinados a Bolsonaro. Os bens somam mais de R$ 18,5 milhões.

O caso aumentou o risco legal que o líder da extrema-direita tem de ser condenado pela Justiça. Ele ainda está sob investigação por envolvimento direto na tentativa de golpe de 8 de janeiro, quando seus apoiadores tomaram de assalto a capital federal e depredaram as sedes dos três poderes da República: o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Ele ainda responde a inúmeras ações durante a campanha eleitoral  que perdeu em outubro passado, por crimes que vão de uso da máquina pública a denúncia falsa contra a Justiça Eleitoral.

A Polícia Federal e o Ministério Público investigam se os três conjuntos de joias trazidos da Arábia Saudita para o Brasil eram presentes públicos que Bolsonaro tentou indevidamente impedir de serem incorporados ao acervo público da Presidência ou eram presentes particulares que tentou entrar no Brasil sem pagar impostos. Os estojos com as joias foram devolvidas ao governo.

O Brasil exige que seus cidadãos que chegam de avião do exterior declarem mercadorias com valor superior a US$ 1.000. Para qualquer valor acima dessa isenção, todo cidadão é obrigado a pagar um imposto igual a 50% do valor do bem importado. Os três conjuntos de joias estariam isentos de impostos se fossem um presente do estado da Arábia Saudita para a nação brasileira, mas não seriam se fossem de Bolsonaro.

Um despachante alfandegário apreendeu em 2021 um dos estojos de joias, fabricado pela marca suíça Chopard, avaliado em cerca de US$ 3 milhões, no aeroporto internacional de São Paulo. As joias haviam sido retidas tendo como portador um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Ele alegou que as joias seriam um presente para Michelle Bolsonaro.

Documentos e vídeos publicados por meios de comunicação mostram emissários de Bolsonaro fazendo várias tentativas frustradas de recuperar as joias apreendidas, até poucos dias antes do fim de seu mandato, em dezembro de 2022. Há duas semanas, o Tribunal de Contas da União (TCU) ordenou que Bolsonaro devolvesse as joias restantes à Caixa Econômica Federal. Ele as entregou em 24 de março. Outro estojo com mais joias foi entregue na terça-feira, 4.

As duas caixas que estavam em seu poder tinham sido guardadas numa fazenda do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet em Brasília. Foi para lá que Bolsonaro despachou caixas com presentes que julgou ser parte de seu patrimônio pessoal.

O TCU tem entendimento diferente. Considera que as peças são um presente dado pelo regime da Arábia Saudita ao representante do governo brasileiro e fazem parte do acervo público da Presidência da República. Não pode ser vendidas, nem ficar para uso pessoal do ex-presidente. •

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