Lula e a explosão dos BRICS
A expansão do grupo nascido em 2008 revela a falência do multilateralismo criado com o acordo de Bretton Woods, no mundo pós-Segunda Guerra Mundial. O jogo agora é outro
Luis Nassif
Um dos pontos mais burlescos, na discussão sobre os BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — é a colocação de grupos de ditaduras contra as democracias do G7. Ou a suposição de que, por dispor da maior reserva de petróleo e de alimentos, os países do BRICS montariam uma frente contra os Estados Unidos.
Há um desconhecimento amplo sobre o funcionamento de organismos multilaterais. Cada país tem sua política interna, sua política externa, seus interesses regionais. Só faltava, agora, uma organização multilateral, como os BRICS, articulando as políticas nacionais.
Ou então, como o articulista do “Estadão” supondo que o Brasil estaria apoiando o BRICS apenas para obter apoio para fazer parte do Conselho de Segurança da ONU. Como se a lógica do BRICS fosse servir de escada para a ONU.
O BRICS é consequência direta da falência do multilateralismo criado com o acordo de Bretton Woods. Pelo acordo, haveria um controle do fluxo de capitais, impedindo ataques especulativos a moedas. Países em dificuldades com as contas externas receberiam ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI), mediante várias condicionantes, e, depois, financiamentos do Banco Mundial, para investimentos estruturantes.
Com o fim da paridade dólar-ouro, nos anos 70, e com a financeirização selvagem que se seguiu, o FMI tornou-se um mero porto seguro para especuladores. É só conferir o que aconteceu com o Brasil em fins de 1998. O câmbio apreciado produziu um desequilíbrio nas contas externas. O FMI ajudou com um empréstimo de emergência. Em vez de reservá-lo para importações essenciais, o então Ministro da Fazenda, Pedro Malan, utilizou para garantir uma saída segura para os especuladores.
Na crise de 2008, o papel do FMI e dos bancos centrais ficou mais nítido, quase destruindo países para preservar interesses da banca.
Na crise de 2002, o Banco Latinoamericano de Comércio Exterior (Bladex) foi mais útil para garantir dólares para o Brasil do que todo o sistema FMI.
Mais que isso, em todo período de auto-estima nacional, a autonomia na diplomacia externa foi ponto de honra. Foi assim com Juscelino Kubitschek, quando Augusto Frederico Schmidt planejou a Operação Panamericana.
Ou mesmo na ditadura militar, com o chanceler Azeredo da Silveira articulando com países do sul. E, especialmente, após o advento da era Lula-Celso Amorim, na qual o Brasil assume um protagonismo mundial inédito.
Lembro-me das conversas com André Araújo – que tinha relações estreitas com o Departamento de Estado norte-americano. Ele mostrava a decepção com a busca de protagonismo pelo Brasil. De fato, o soft power brasileiro se espalhava pela África, pela América Latina, eram implantados escritórios da Embrapa em países africanos. E os americanos decepcionados. Tinham reservado para o Brasil o papel de representante maior da diplomacia estadunidense para o Sul Global, e o Brasil queria atuar por conta própria.
Nos seus dois governos, Lula conseguiu consolidar uma dimensão internacional. Teria tido papel central na tentativa de um acordo nuclear entre EUA e Irã, não fosse o recuo vergonhoso de Obama. Mas conseguiu o feito de desfilar em carro aberto em Israel e na Palestina, mostrando seu papel de agente da paz mundial.
O BRICS visará reconstituir o papel perdido do Banco Mundial. Visará trazer alternativas ao dólar, obter financiamentos aos países membros, criar formas de facilitar o comércio entre eles. E obrigará o sistema FMI-Banco Mundial a reagir, voltando a recuperar parte da relevância que tiveram em outros tempos. •