A ditadura militar executou, em 20 de agosto de 1971, a militante política Iara Iavelberg. Ela era então namorada do capitão Carlos Lamarca, um dos inimigos da repressão, e foi companheira de Dilma Rousseff no combate à tirania

A morte brutal de Iara

A versão oficial é rídicula. Acossada pelas forças da repressão, a jovem psicóloga de 27 anos, Iara Iavelberg, teria se suicidado em 20 de agosto de 1971. Uma mentira. Mais uma erigida pela ditadura militar. Companheira de Carlos Lamarca, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Iara foi executada em Salvador, depois de ser encurralada numa operação policial cujos circunstâncias nunca foram totalmente esclarecidas e alguns detalhes só vieram à tona em 2012.

Iara era formada em psicologia pela USP e foi uma das personagens mais marcantes da luta armada. Carlos Lamarca apaixonou-se por ela quando se conheceram na militância da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), em 1969. Mesmo tendo oportunidade de deixar o país, Iara decidiu acompanhá-lo nas tentativas de implantação da guerrilha rural. Participou do grupo de treinamento comandado pelo companheiro no Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo.

Quando Lamarca se transferiu para o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e partiu para o sertão da Bahia, ainda em 1971, Iara ficou escondida em Salvador, onde foi descoberta, cercada e morta. Apesar de evidências e testemunhos que sustentam o seu assassinato, o Dops da Bahia divulgou a versão de que ela teria se suicidado no momento da prisão.

O laudo emitido à época, assinado pelo legista Charles Pittex, assinalava “morte violenta” e colocava uma interrogação ao lado do termo “suicídio”, que constava na guia original para exame encaminhada junto com o corpo. Em outra contradição, testemunhas na vizinhança teriam ouvido Iara se render pouco antes de tiros serem ouvidos.

Somente em 2003 a família Iavelberg conseguiu autorização judicial para exumar o corpo e realizar nova perícia, que comprovou não ter sido ela a autora do disparo que lhe tirou a vida. O advogado do caso foi o ex-deputado federal pelo PT Luiz Eduardo Greenhalgh.

Daniel Romero Muñoz, médico responsável pela nova necropsia, mostrou que o tiro que matou Iara não deixou na vítima detritos típicos de um disparo à queima-roupa, tornando insustentável a tese de suicídio. Mesmo assim, mais três anos foram necessários para que finalmente, em 2006, a família conseguisse um acordo junto ao cemitério israelita de São Paulo para retirar o corpo da ala dos suicidas — enterrados de costas para os outros mortos — e ocupasse o mausoléu dos Iavelberg.

Em junho de 2012, um documento da agência de Salvador (BA) do Serviço Nacional de Informação (SNI) trouxe algumas informações esparsas sobre a operação que resultou na morte de Iara. Ela trazia na bolsa, no dia de sua morte, uma das carteiras de identidade falsas usada por Dilma Rousseff durante a ditadura. 

O fato é que, em 1969, vivendo clandestinamente no Rio, Iara tornara-se amiga da também jovem militante Dilma. Elas atuaram juntas na VAR-Palmares e na VPR, dois dos muitos grupos de esquerda que estavam na resistência  contra a ditadura. Quando lançou-se candidata à Presidência da República, em janeiro de 2010, Dilma a homenageou em seu discurso.

“Permitam-me recordar três companheiros que se foram na flor da idade: Carlos Alberto Soares de Freitas. Beto, você ia adorar estar aqui conosco. Maria Auxiliadora Lara Barcelos. Dodora, você está aqui… Iara Iavelberg. Iara, que falta fazem guerreiras como você”, discursou Dilma. “O exemplo deles me dá força para assumir esse imenso compromisso”.

Segundo relatório do SNI, ao revistar os pertences de Iara no dia em que morreu, os agentes que participaram da Operação Pajussara, no Bairro Pituba, em Salvador, encontraram um documento e pediram informações. A pessoa era “Maria Lúcia dos Santos”.

A agência do RIo respondeu que o registro era de Dilma, conforme trecho do documento: “Ela (Iara) deu um tiro em si, vindo a falecer a caminho do hospital. Em sua bolsa foi encontrada a carteira de identidade da Guanabara (possivelmente falsa) de Maria Lúcia Ribeiro dos Santos.(…) Quanto a Maria Lúcia Ribeiro dos Santos, consta Maria Lúcia dos Santos, nome falso de Dilma Vana Rousseff Linhares, codinomes Luiza, Estela e Maria Lúcia, filha de Pedro Rousseff e Dilma Rousseff, natural de Belo Horizonte, casada com Cláudio Galeno Linhares. Pertenceu à CMP, ao Colina e à Var-Palmares, constituindo como presa desde junho de 1970”. Dilma foi barbaramente torturada enquanto esteve presa.

Em 2009, ao ser questionada por uma jornalista da Folha, Dilma disse que não tinha a mesma cabeça de quando era jovem e militava contra a ditadura, mas não tinha mudado de lado. “As pessoas mudam na vida, todos nós. Eu não mudei de lado não, isso é um orgulho. Eu mudei de métodos, de visão. Inclusive por causa daquilo eu entendi muito mais coisas”, declarou. “[Eu entendi o valor da democracia, por exemplo. Por causa daquilo, eu entendi os processos absolutamente perversos. A tortura é um ato perverso”. •