Embora os sistemas político e eleitoral do Brasil sejam distintos, o que nos aproxima, dentre outras coisas das eleições espanholas é, sem dúvida, o paradoxo do crescimento de uma extrema direita com pautas seletivas e reacionárias

José Eymard Loguercio

Nós e as eleições na Espanha

As eleições gerais de 23 de julho, na Espanha, foram acompanhadas com bastante interesse por muitas pessoas no Brasil. Rondava uma certa expectativa de que a extrema-direita espanhola, representada pelo partido Vox, pela primeira vez, alcançasse número suficiente para, em coligação com a direita tradicional representada pelo Partido Popular, formasse o novo governo. O resultado, no entanto, foi que o Vox perdeu 19 cadeiras e alcançou a eleição de 33 parlamentares. O PP cresceu, alcançou 136 assentos parlamentares. Coligados, os conservadores têm número insuficiente para eleger o presidente.

A Espanha, sendo uma monarquia parlamentarista, tem o seu processo eleitoral diferente do nosso. O chefe de governo (chamado de presidente) é definido pela maioria do legislativo. O parlamento tem 350 cadeiras. Assim, nas eleições gerais os espanhóis votam no partido e não nos candidatos. Formada a bancada parlamentar, o partido que obtiver maioria (176 cadeiras) escolhe o presidente.

Difícil, nos últimos anos, que um único partido obtenha, sozinho, número suficiente de cadeiras para eleição do presidente. Nesse caso, formam-se as coligações.  Atualmente Pedro Sánchez, do PSOE, é o presidente, em coligação com partidos de esquerda. Nessas eleições gerais, o partido de Sánchez obteve 122 cadeiras, número inferior ao do PP.

No entanto, antecipadas as eleições por decisão de Pedro Sánchez, que, diga-se, acabou mostrando-se acertada, uma outra novidade foi a construção do movimento Sumar. Liderado por Yolanda Díaz, atual segunda vice-presidenta e ministra do Trabalho e Economia Social do governo da Espanha, o partido obteve 31 cadeiras no parlamento. PSOE e Sumar, que se encontram coligados no governo atual, somam 153 cadeiras.

Bem, somadas as bancadas — PP com VOX têm 169 cadeiras, enquanto PSOE e Sumar obtiveram 153 —, nenhuma força política obteve a maioria de 176 cadeiras para eleger o novo governo. A vantagem da coligação PSOE-Sumar é que partidos nacionalistas e independentes da Catalunha e do País Basco, como o PNV, EH Bildu e Esquerda Republicana, já apoiaram em eleições anteriores e teriam tendência a renovar o apoio. Há, por fim, o partido JuntsxCatalunya, que, segundo analistas, tenderia a participar, porém, com exigências sobre os conflitos separatistas, cujas cicatrizes ainda não se fecharam.

A nova legislatura começa em 17 de agosto em clima de incertezas. Certo é que, se em dois meses não se chegar em um nome, nova eleição deverá ser convocada para o final de dezembro de 2023.

Embora nossos sistemas político e eleitoral sejam distintos, o que nos aproxima, dentre outras coisas das eleições espanholas é, sem dúvida, o paradoxo do crescimento de uma extrema direita com pautas seletivas e reacionárias.

Há constatação, de amplos setores progressistas, que para além das posições neoliberais clássicas, cresce por toda a Europa um pensamento neoautoritário e excludente, com fortes tensões antifeministas e xenofóbicas.

Em relação aos direitos sociais e em especial ao direito do trabalho, durante décadas a direita espanhola, liderada pelo Partido Popular, produziu reformas legislativas, com retirada de direitos, em especial os chamados “ciclos de reformas” que se iniciaram em 2010 e se aprofundaram em 2012, sob o governo do PP.

De outro lado, a coalizão do governo atual, sustentada pelo PSOE e pelo agrupamento Sumar, iniciou em março de 2020 uma mudança de orientação, a partir do diálogo social promovido e induzido pelo Ministério do Trabalho, liderado por Yolanda Díaz e sua equipe. De um modelo neoautoritário de degradação de direitos individuais e coletivos das pessoas trabalhadoras, se traslada para um modelo democrático de relações de trabalho, com modificações legislativas muito significativas, a partir de 2021.

Os resultados da guinada da orientação legislativa estão presentes nas recentes pesquisas sobre emprego na Espanha. Houve diminuição dos contratos temporários, o menor índice de desemprego em muitos anos e o incremento de contratos por tempo indeterminado. A subida do salário mínimo e dos salários interprofissionais também representou uma nova forma de enfrentar os ciclos de crises dos anos 2000.

Essas mudanças, desde logo, seriam suficientes para refletir nas eleições de 2023? É precipitado concluir com certeza. Estamos no campo das probabilidades.

O Vox perdeu cadeiras. Isso é um fato. O PP aumentou a sua base parlamentar. Analistas consideram que algumas pautas mais radicais defendidas pelo Vox (consideradas de perfil mais agressivo) foram incorporadas pelo PP de forma mais atenuada. De uma extrema direita, com pautas muito radicais, o PP absorveu parcela. O resultado foi o incremento de cadeiras do PP.

Considerados os resultados, as pautas que se contrapõem na Espanha são muito similares às que se contrapõem no Brasil. A habilidade na condução de políticas públicas inclusivas e contra-hegemônicas aos modelos neoliberal e neoautoritário, exige formação de blocos, frentes e coligações.

Essas frentes precisam obter ganhos para o cotidiano das pessoas nas suas múltiplas dimensões de vida e apresentar alternativas que agenciam as novas pautas dos movimentos sociais. Dentre as pautas, não tenho dúvida em apontar a centralidade do trabalho e do meio ambiente. 

De outro lado, o desmonte do discurso extremista pode ser absorvido por uma direita mais palatável, mas igualmente voraz contra os direitos sociais, ambientais e as pautas de inclusão e antidiscriminatórias.

O 23 de julho na Espanha, portanto, foi emoção pura! E continua a ser. •

Advogado especialista em Direito do Trabalho