João Donato brilha no céu
Um dos maiores expoentes da moderna MPB, o compositor, arranjador e multi-instrumentista morre aos 88 anos, no Rio de Janeiro. Ele é considerado uma lenda em todo o planeta
O compositor e pianista brasileiro João Donato, que ajudou a lançar as bases da Bossa Nova, mas pairou acima de todos os gêneros ao longo de sua trajetória de sucesso internacional, morreu na segunda-feira, 17, no Rio de Janeiro. Ele tinha 88 anos. Sua morte foi anunciada pela família. Líderes políticos, músicos do Brasil e do mundo, lamentaram o falecimento do músico.
“Foi um dos gênios da música brasileira”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Perdemos hoje um de nossos maiores e mais criativos compositores”. A ex-presidenta Dilma Rousseff, que agora está à frente do Banco dos Brics, também soltou nota de pesar pela morte de João Donato. “A morte de João Donato deixa o Brasil e o mundo tristes. Ele era um gênio e um músico profundamente identificado com o país”, disse. “As melodias de João estarão para sempre na alma do povo brasileiro”.
Nascido em Rio Branco, no Acre, João Donato se mudou para o Rio de Janeiro com a família ainda jovem, nos anos 40, e construiu sua trajetória, marcando a história da MPB. “João Donato via música em tudo. Inovou, passou pelo samba, bossa nova, jazz, forró e na mistura de ritmos construiu algo único. Manteve-se criando e inovando até o fim”, disse Lula.
Donato foi prolífico e inventivo, colaborando com grandes artistas nacionais e estrangeiros, incluindo Tom Jobim, Chet Baker, João Gilberto, Sergio Mendes, Tito Puente, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e inúmeros outros de diferentes gerações. João mostrou uma habilidade musical prodigiosa quando menino ao ganhar uma sanfona como presente de Natal e logo depois que sua família se mudou para o Rio começou a tocar profissionalmente.
Entre suas canções mais conhecidas estão “A Rã”, “Bananeira” e “Minha Saudade”. A gravação de “A Rã”, lançada no álbum “Quem é quem” (1973), produzido por Marcos Valle, não tinha ganhado ainda a letra de Caetano Veloso, mas era cantada por João Donato num sincopado com cadência de sílabas e jogos de ritmos. Foi um sucesso.
O sincopado de Donato influenciou a batida do violão desenvolvido por João Gilberto que floresceu no movimento da bossa nova. Ainda no final dos anos 1950, João Donato já havia partido para tocar nos Estados Unidos, primeiro em Lake Tahoe e depois em Los Angeles. Ele passou 13 anos morando lá, às vezes voltando ao Brasil para gravar músicas de bossa nova enquanto o estilo se tornava uma mania global.
O primeiro disco foi gravado aos 22 anos a convite de Tom Jobim, diretor artístico da gravadora que se revezava com Donato no piano. Em 1959, foi morar em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde acabou desenvolvendo seu estilo musical. Inspirado na música latina, criou uma batida sincopada no piano, sua marca registrada.
“Eu queria o jazz, fui lá para apender, encontrar os caras que admirava tanto. Encontrei o pessoal do jazz muito tristonho porque não tinha onde tocar, eles tocavam em orquestras latinas, que era onde tinha emprego. Então eu fui procurar as orquestras latinas para encontrar o pessoal do jazz”, contou Donato.
Nos Estados Unidos, gravou o disco “A Bad Donato” (1970), que misturava jazz, funk e soul. “A Rã” também está neste disco, com nome em inglês “The Frog”, muito diferente daquela versão que ganharia fama com o próprio Donato, três anos depois, e registrada com letra na voz de Gal Costa, no álbum “Cantar” (1974).
“A Bad Donato” é um álbum repleto de suingue e muitos elementos da música pop internacional. A variação de sons vinha da audição privilegiada de João para músicos e ritmos produzidos por artistas distintos, como James Brown, Jimi Hendrix e Janis Joplin. O disco foi indicativo do ecletismo ao longo de sua carreira.
“Não sou bossa nova, não sou samba, não sou jazz, não sou rumba, não sou forró. Na verdade, sou tudo isso ao mesmo tempo”, disse, em entrevista ao Globo, em 2014.
As pessoas que passavam em frente à sua casa no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, sob o Pão de Açúcar, podiam ouvi-lo brincando lá dentro. Ele lançou um álbum no ano passado e ainda estava fazendo shows no início deste ano. O velório de Donato aconteceu no Teatro Municipal do Rio. •