Morre em São Paulo o ator e diretor José Celso Martinez, símbolo da inovação teatral. Dramaturgo deixa um vazio no teatro brasileiro e recebe homenagens de Lula e da classe artística. O velório no Teatro Oficina foi marcado por festas e muita emoção de fãs, amigos e artistas: Evoé, gigante

A arte dramática nacional sofreu uma perda sentida. Faleceu na quinta-feira, 6, aos 86 anos, o dramaturgo e diretor teatral José Celso Martinez Correa. Ele estava internado na UTI do Hospital das Clínicas desde a manhã da terça-feira, 3, após sofrer queimaduras em mais de 50% do corpo devido a um incêndio ocorrido em seu apartamento, na cidade de São Paulo. A morte de Zé Celso, como era conhecido, deixou a todos de luto.

Sob longos aplausos e música, fãs, familiares e amigos despediram-se do artista. “Evoé!”, a palavra ecoou pelo Teatro Oficina. Era o que também gritavam os participantes dos bacanais como forma de invocar Baco, deus do vinho e das festas. Bacantes foi um dos espetáculos dirigidos por Zé Celso.

O velório no Teatro Oficina seguiu por toda a madrugada e, pela manhã, uma fila de admiradores ainda aguardava para o último adeus ao dramaturgo. Por volta das 9h, assim como foi feito durante a madrugada, uma ciranda foi formada para que todos da fila pudessem se aproximar do corpo e se despedir. O velório se encerrou por volta de 12h. Em seguida, o corpo foi levado ao Cemitério e Crematório Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva homenageou Zé Celso, considerado com um dos maiores nomes do teatro brasileiro. “O Brasil se despede hoje de um dos maiores nomes da história do teatro brasileiro, um dos seus mais criativos artistas”, lamentou. “José Celso Martinez Correa, ou Zé Celso, como sempre foi chamado carinhosamente, foi por toda a sua vida um artista que buscou a inovação e a renovação do teatro. Corajoso, sempre defendeu a democracia e a criatividade, muitas vezes enfrentando a censura”.

A ex-presidenta Dilma Rousseff também manifestou pesar com a morte do diretor. “É uma perda irreparável para para a cultura do nosso pais. Brilhante, inquieto, revolucionário, Zé Celso foi um dos maiores inovadores do teatro brasileiro. Dedicou a vida inteira à sua arte, com alegria e entusiasmo”, comentou nas redes sociais.  “Será sempre lembrado pelo desenvolvimento do Teatro Oficina, do TBC, pela introdução do tropicalismo na linguagem teatral, e também pela ousadia e destemor no enfrentamento da censura e da ditadura militar”.

O dramaturgo nasceu em 1937, na cidade de Araraquara (SP). Há 65 anos, ele fundou, junto com outros atores, o Grupo Oficina, até hoje em atividade, considerada uma das companhias teatrais mais importantes e longevas da dramaturgia brasileira. O grupo foi criado no Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde Zé Celso era estudante.

Nos anos 60, o Oficina obtém repercussão com a montagem de obras teatrais como “Pequenos burgueses” (1963), do russo Máximo Gorki (1868-1936). Em 1964, com o golpe militar no Brasil, a peça virou alvo da censura e sofre cortes, a exemplo de outros trabalhos do Oficina nos anos vindouros. Ao longo daquela década, o grupo iria montar espetáculos baseados nas obras de autores como Max Frisch e Bertolt Brecht.

Em 1967, Zé Celso e o Oficina montam a peça “O rei da vela”, obra teatral de Oswald de Andrade, um dos grandes símbolos do modernismo brasileiro. O espetáculo revoluciona o teatro brasileiro, em forma e conteúdo, e que levou o público a ter uma nova visão a respeito da arte teatral e da própria realidade social do país. A encenação visceral da obra de Oswald, 30 anos depois de escrita, foi aplaudida pelo público e aclamada pela crítica especializada.

A partir de então, o ator, dramaturgo e diretor se tornaria uma referência no teatro do Brasil, pela coragem, ousadia e inovação com as quais aborda vários temas.

O Oficina passou a ser visto como um exemplo de resistência na manutenção da sua sede, que também chegou a sofrer um incêndio nos anos 60 e diversas investidas judiciais para a sua demolição, diante da especulação imobiliária. •

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