Lula volta a cobrar dos países ricos
Em visita à Europa, ao percorrer Itália e França, em encontros com chefes de Estado e o papa Francisco, Lula alerta para a responsabilidade das maiores nações e seus líderes em lidar com a questão ambiental e reduzir os riscos das mudanças climáticas. Ele também instou os ricos a doarem mais recursos para as nações em desenvolvimento
O Brasil volta a ter um chefe de Estado disposto a discutir os grandes temas do mundo contemporâneo em pé de igualdade e preocupado em contribuir para uma nova concertação das Nações. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a chamar a atenção de outros líderes globais no seu último périplo pela Europa. Ele visitou a Itália, o Vaticano e a França e participou ativamente da Cúpula sobre o Financiamento ao Combate à Mudança Climática. “A minha viagem foi uma viagem, do meu ponto de vista, de recolocar o Brasil no centro das discussões sobre a questão climática no mundo”, disse.
No encontro com o papa Francisco, Lula reiterou os compromissos do Brasil com princípios de liberdade religiosa e de respeito aos esforços que o Vaticano tem desenvolvido em favor da paz. Lula e Francisco conversaram sobre “paz, desigualdade social e combate à pobreza”, temas recorrentes nos discursos de ambos. Os dois se conhecem há mais de 20 anos, quando Jorge Bergoglio, nome de batismo do papa, ainda era cardeal em Buenos Aires. Ele cobriu de elogios o pontífice.
O líder brasileiro disse que o papa Francisco é a principal figura política em atividade no mundo. “Quer queira, quer não queiramos, qualquer religião que concordar ou discordar é obrigada a reconhecer que ele é o maior líder que nós temos hoje na face da Terra”, declarou. Lula disse que defende os mesmos princípios do líder católico. “Precisamos transformar a questão da desigualdade em uma coisa para indignar a sociedade. Nós, humanistas, temos que ficar indignados com a desigualdade salarial, de gênero, racial, na educação, na saúde, moradia, a desigualdade na oportunidade”, comentou
Em Paris, na cúpula sobre o Financiamento ao Combate à Mudança Climática Lula voltou a criticar as organizações multilaterais, principalmente a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Conselho de Segurança, que têm demonstrado incapacidade em lidar com as grandes crises internacionais, como a guerra da Ucrânia.
Ele também destacou a necessidade de os países desenvolvidos participarem ativamente do financiamento ao combate à mudança climática. “Governança global se chama ONU e ela tem de estar fortalecida, não é mais a mesma de 1945”, afirmou. “Se não mudarmos as instituições, a questão climática vira uma brincadeira”.
Na prática, a cúpula com o objetivo de redesenhar a arquitetura financeira mundial não correspondeu aos interesses do Brasil. O presidente espera o cumprimento da antiga promessa dos países ricos de liberar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento lutarem contra as mudanças climáticas. Mas o governo brasileiro considera que o encontro em Paris serviu como um “aquecimento para o G20”, que o Brasil presidirá a partir de 1° de dezembro.
Em seus discursos na Europa, como o realizado na cúpula em Paris sobre o novo pacto financeiro global, Lula reiterou a promessa do Brasil de acabar com o desmatamento na Amazônia até 2030. Ele também reiterou o compromisso do Estado brasileiro de cuidar de outros biomas nacionais, além de destacar o papel do país no debate sobre as mudanças climáticas e o fato de que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo.
“No Brasil, 87% da energia é renovável, contra 27% no resto do mundo”, declarou Lula, reiteradas vezes nas audiências e entrevistas concedidas. Ele também cobrou dos países ricos a responsabilidade por financiar a preservação ambiental. E foi aplaudido pela audiência de 20 mil pessoas que compareceram a um ato organizado pela ONG Global Citizens.
“Quando tomei posse, em 1º de janeiro, assumi a responsabilidade de que até 2030 teremos desmatamento ilegal zero na Amazônia”, disse. Ele foi ovacionado. “A Amazônia é um território soberano do Brasil, mas ao mesmo tempo pertence a toda a humanidade, por isso faremos todos os esforços para manter a floresta em pé”. E cobrou mais uma vez aapoio dos países ricos.
O discurso ocorreu durante o show “Power of Planet”, nos jardins da Torre Eiffel, diante de milhares de jovens. O evento da Global Citizens tem como curador o vocalista da banda britânica Coldplay, Chris Martin, que apoia o movimento para mobilizar cidadãos de todo o mundo em relação a temas como fim da pobreza extrema e preservação do planeta.
Lula esteve ainda com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, lamentando que o Brasil não tinha relação com o país há mais de seis anos. Ele qualificou a ausência do Brasil dos grandes debates com líderes europeus como “inexplicável”, apesar de não citar seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Na Itália, ele se reuniu com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri, e o presidente Sergio Mattarella.
Na França, Lula ainda teve outros encontros com chefes de Estado, reforçando uma oportunidade de reaproximação do Brasil com a África — uma de suas prioridades neste terceiro governo. “Foi muito importante pela possibilidade de ter relações de uma só vez com muitos países, sobretudo africanos”, disse Lula.
Segundo ele, os líderes daquele continente estão “muitos desejosos da volta do Brasil à África”, se referindo a convênios e investimentos brasileiros no setor de obras no continente. “Foi uma reunião extraordinária porque fazia muito tempo que eu não me encontrava com muitos presidentes, alguns eu nem conhecia”, acrescentou.
Ainda em Paris, Lula teve encontros com os presidentes da África do Sul, da República Democrática do Congo, de Cuba, com o primeiro-ministro do Haiti e com o presidente da COP28 nos Emirados Árabes Unidos, além do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Lula fez um discurso para lembrar a responsabilidade histórica das nações mais ricas. “Não é o povo africano que polui o mundo, não é o povo latino-americano que polui o mundo. Na verdade, quem poluiu o planeta nos últimos 200 anos foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial. E, por isso, têm que pagar a dívida histórica que têm com o planeta Terra”, afirmou. •