Veterano militante comunista, operário e deputado federal nos anos 60, Geraldo Rodrigues dos Santos foi perseguido pela ditadura militar e morreu em 2006. Neste artigo, a lembrança da sua luta histórica

Lincoln de Abreu Penna

Nascido no dia 1 de julho de 1923 na cidade de São José do Rio Pardo (SP), o futuro membro dirigente do Partido Comunista Brasileiro, à época ainda sob a denominação de Partido Comunista do Brasil (PCB), Geraldão teve uma trajetória militante das mais dignas e combativas, características destacadas de seus membros. Foi um comunista que se orgulhava desta condição e honrou as mais belas tradições das lutas dos que empunharam com orgulho a chama desse ideário.

Seu pai Honorato faleceu quando Geraldo tinha apenas 6 anos de idade, cabendo a sua mão, Joaquina Maria como lavadeira assumir a criação de seus filhos, sendo o mais velho, José, o responsável pela ida de Geraldo para Santos em busca de melhores condições de trabalho e vida, uma vez que ele, tal como o irmão, não tivera praticamente infância, pois era preciso ajudar o custeio da família.

Esse breve retrato resume o corpo majoritário dos quadros militantes comunistas, pelo menos até os anos de 1950, quando o partido passou a incorporar os contingentes sociais vindos das camadas médias urbanas. Afinal, de uma organização de quadros passaria a se projetar como um partido de massas, dada as circunstâncias externas derivadas dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial na qual a URSS se destacaria como a principal vitoriosa no embate contra o nazifascismo. Foi, como dizia Geraldo, um momento de entusiasmo de modo a contagiar os democratas de todas as tendências reunidos no combate ao fascismo.

No ano seguinte à chegada de Geraldo a Santos, em 1945, já se encontrava empregado nas Docas do Porto. Já filiado ao PCB, em pouco tempo passaria a ter atuação nas lides sindicais em defesa dos interesses de sua classe e das tarefas que a ele eram incumbidas, tornando-se por isso admirado pela sua dedicação e solidariedade com os seus companheiros.

A sua origem humilde não o privou de bons ensinamentos e de estudos que contribuíram para a sua leitura do mundo. Os contatos que fizera durante sua trajetória de lutas o ajudaram muito para formar uma opinião sobre as razões da pobreza e da miséria de grande parte do povo trabalhador.

O poeta João Cabral, que o havia levado para ingressar no partido, cedeu a Geraldo um livro que o ajudou muito a compreender a situação da negritude: “O Filho Nativo”. Assim se chamava o referido livro de Charles Wood que continha denúncias a respeito do racismo.

Por sinal, sua família havia se engajado no movimento denominado Frente Negra. As irmãs de Geraldo atuavam com alguma regularidade. Era, portanto, costume familiar discutir essa questão e associá-la às condições de subalternidade da imensa maioria do povo afrodescendente. Infelizmente, esse movimento não chegou a prosperar a ponto de manter-se ativo ao longo do tempo. Todavia, não deixou de ser uma referência a tantas outras iniciativas nesse sentido.

Contudo, a questão que à época mais exigia pronta intervenção dos comunistas era, sem dúvida, a de fortalecer uma outra frente, a antifascista, que tanto externa como internamente ameaçava a existência das liberdades democráticas.

Assim, nesses primeiros anos de militância, Geraldo teve oportunidade de participar de atos de solidariedade aos povos da Espanha que sofreram com o regime franquista, uma vertente fascista, resultante da Guerra Civil que se estendeu de 1936 a 1939, às vésperas da Segunda Guerra, cujo regime do ditador Francisco Franco aderiu ao Eixo, ou seja, à aliança da Alemanha, Itália e Japão, e apesar da derrota nazifascista manteve-se no poder durante décadas.

Geraldão foi um importante líder operário e esta liderança o levou à disputar a eleição para deputado federal, em 1962, pelo PTB, uma vez que o PCB ainda se encontrava banido desde a cassação em 1947. Naquela eleição, obteve uma das mais expressivas votações, mas foi cassado por ser comunista.

Mesmo assim, tornou-se o primeiro deputado federal negro desde Carlos Marighella e Agostinho de Oliveira, constituintes em 1946. Antes dele, um outro negro por ocasião da formação do Bloco Operário e Camponês (BOC), no final dos anos de 1920, foi eleito deputado federal: Minervino de Oliveira.

Os relatos acerca da prática política de Geraldo são unânimes em considerá-la das mais oportunas na vida política do PCB. A começar pela percepção que teve de considerar os trabalhistas como aliados e não adversários nas lutas políticas e sindicais, independentemente da avaliação que se pudesse ter de suas lideranças mais destacadas. O que importava era justamente a construção de uma unidade de ação, pois tanto comunistas quanto trabalhistas se empenhavam objetivamente pela melhoria das condições da classe operária.

Nesse sentido é que Hércules Corrêa, em seu depoimento ao livro autobiográfico de Geraldo, teve oportunidade de dizer que o veterano militante teve a coragem de trazer o processo real para dentro das reuniões do partido. E esta visão acabou sendo vitoriosa a despeito de algumas resistências a ponto de produzir a Declaração Sindical de 1952 redigida, por sinal, por Carlos Marighella, contando com apoio de Roberto Morena, na época deputado federal e um dos mais notáveis parlamentares do país.

Mas aquela euforia que Geraldo conheceu no imediato pós-guerra não durou muito. A Guerra Fria intensificou a fúria anticomunista e o segundo governo do presidente Getúlio Vargas (1951-1954) foi alvo tanto das diretrizes movidas contra os países socialistas tendo à frente a URSS, quanto em relação às forças sociais progressistas, das quais os trabalhistas se encontravam já alinhados à política nacional-desenvolvimentista apoiada, ainda que com algumas restrições, pelos comunistas.

Houve um interregno na vida militante de Geraldo sem, no entanto, deixar de ser uma continuidade da sua militância. É que em 1953 ele e outros tantos camaradas do partido foram enviados a Moscou para realizarem o curso de formação política na escola mantida pelos soviéticos.

Essa experiência foi, sem dúvida, das mais importantes não só por agregar informações e conteúdo a respeito do marxismo-leninismo, indispensável à época para os quadros partidários comunistas do mundo inteiro, como em razão de poder conviver com intelectuais e profissionais liberais. Além, é claro, de comunistas de outros países, que para lá enviavam os seus membros.

Por falar em intelectuais orgânicos — aqueles que integravam os quadros do partido e forneciam subsídios e permanente colaboração para ajudar à formulação das políticas em diferentes áreas — cabe destacar Oscar Niemeyer, que não titubeou em desenhar a capa do livro de Geraldo, “A trajetória de um comunista”, do qual tive o prazer de organizar e redigir, com os subsídios dos amigos e companheiros Armando Sampaio e Paulo Meirelles. Neste livro, Niemeyer fez questão de dizer o que segue: “Lembro o período negro da ditadura, os comunistas cercados pelas forças da reação e o Geraldão recusando o exílio, corajoso, os que com ele mantinham a linha política do PCB”.

O contato com a intelectualidade incluiu nomes como os de Aparício Torelli, o Barão de Itararé; Edson Carneiro; Graciliano Ramos; Eneida; Arthur Ramos e Vilanova Artigas. Todos direta ou indiretamente aprenderam com Geraldo tanto quanto trocaram ensinamentos que os engrandeceram. Por sinal, o educador Paulo Freire já dizia que ninguém ensina ninguém sem que também assimile ensinamentos nessa troca de saberes, seja erudito ou popular.

Salomão Malina lembrou que Geraldo reunia, além de bom senso, o equilíbrio e a seriedade, que o ajudariam a trilhar o caminho desvelado por sua sensibilidade em matéria do que fazer diante das sempre presentes dificuldades de um partido clandestino, ou pelo menos vocacionado para estar sempre às voltas com a repressão. Esta preocupação acompanhou-o ao longo de sua militância a ponto de se preparar para uma eventual queda em face do cerco que sempre se fez em relação aos comunistas, principalmente aos seus mais destacados dirigentes. Geraldo chegou a portar consigo uma pílula de cianureto caso fosse detido.

Em vários momentos exibiu o seu tirocínio. Em um deles, não vacilou um segundo sequer em participar da candidatura unitária à prefeitura do Rio de Janeiro na dobradinha PSB-PCB, que teve em Marcelo Cerqueira e João Saldanha os nomes consagrados numa especial convenção entre os dois partidos. O entusiasmo dos que se empenharam pela articulação dessa chapa contagiou um eleitorado mais jovem e transformou a campanha numa grande festa da democracia.

Apesar das agruras de uma vida sob constante tensão em face da repressão que se abateu sobre todas as forças políticas de oposição mais consequente, dentre elas se encontravam os comunistas, Geraldo ao ser conhecido pelo aumentativo, que o tornaria mais conhecido, jamais esmoreceu.

Aliás, manteve intacta a sua jovialidade, o seu humor e a capacidade de conviver com a adversidade sem recorrer a qualquer expediente, somente à luta por um mundo que sempre acreditou ser possível. Neste sentido, o depoimento da filha de Sampaio, que cedia sua casa para as reuniões da Executiva do Comitê Central do Partido, é bem significativo nesse sentido.

Ressalte-se que a imagem ficou marcada para sempre na memória da então adolescente: “Três pessoas ali sobressaiam naquele grupo de pessoas mais velhas: o Geraldão, o Jaime Miranda e o Marighella. Eram brincalhões, sempre arranjavam um jeito para não ficar naquela coisa de clandestinidade, de não falar com ninguém” O depoimento de ngela Sampaio está no livro de Geraldão.

Pai de Vanderlei e Vanderli, Geraldão deixou nos filhos as melhores lembranças de suas vidas. Afetuoso e sempre presente, apesar das atribuladas tarefas partidárias, jamais descuidou-se de ambos. Diante da impossibilidade real de manter Vanderlei sob seus cuidados, não titubeou em mandá-lo para a URSS e em seguida para França para estudar e tornar-se um profissional respeitado. Ele mora lá até hoje e tem presente a memória de quem foi fundamental em sua formação. O mesmo para Vanderli, tão querido quanto devotado para dar-lhe todo o suporte possível.

Pena que Geraldão não esteja hoje em dia para nos ajudar a trilhar um caminho menos tortuoso para que cheguemos ao porto seguro que tanto buscou em vida. Mas sua presença nos estimula a dar continuidade à resistência democrática e a luta para que dias melhores possam vir e nos levar à verdadeira libertação. •


Doutor em História pela USP, é professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro