Um revolucionário profissional
O escritor e militante comunista Wladimir Pomar nos deixou na madrugada do dia 9. Perseguido na ditadura, dedicou sua vida à luta de classe, aos livros e partidos por onde passou – sendo um dos primeiros intelectuais brasileiros a decifrar o “enigma chinês”.Ele completaria 87 anos em 14 de julho
Wladimir Pomar faleceu em 9 junho de 2023, às 2h02 da manhã. Ele completaria 87 anos no dia 14 de julho de 2023. Havia planos de festejar a ocasião, chamando amigos, camaradas e a “grande família”: quatro bisnetos e três bisnetas, sete netos e quatro netas, três filhos e sua esposa, Rachel.
As complicações resultantes de uma displasia impediram isso e o fizeram ter um fim de vida terrivelmente sofrido, totalmente diferente do que ele as vezes disse querer ter. Foi particularmente injusto para com um camarada tão gentil, para citar um termo de Espinosa, não o filósofo, mas aquele militante bem alto, tantas vezes visto ao lado de Lula, especialmente a partir da campanha presidencial de 1989, que Wladimir ajudou a coordenar.
Wladimir Ventura Torres Pomar nasceu em Belém do Pará, no ano de 1936, filho de Catarina Torres e Pedro Pomar, militante comunista então perseguido pela ditadura Vargas. Em 1949, aos 13 anos, Wladimir também se tornou militante do Partido Comunista. Nos anos 1950, atuou no movimento estudantil e no movimento sindical metalúrgico. Em 1962, participou do grupo que “reorganizou” o Partido Comunista do Brasil.
Preso em 1964, por resistir ao golpe militar, viveu na clandestinidade até 1976, sendo preso no chamado Massacre da Lapa, quando perderam a vida Ângelo Arroyo, João Batista Franco Drummond e seu pai, Pedro Pomar.
Wladimir saiu da cadeia em 1979, pouco antes da Anistia. Algum tempo depois, ingressou no Partido dos Trabalhadores, integrando a partir de 1984 a sua executiva nacional, como secretário de formação política. Neste período, foi um dos coordenadores do Instituto Cajamar, participou da coordenação da campanha de Lula a deputado federal constituinte e, em 1989, foi coordenador-geral da campanha Lula presidente.
Em 1990, Wladimir encerrou seu mandato no Diretório Nacional do PT. Desde então, não voltou a ocupar nenhum cargo na estrutura partidária. Tampouco foi parlamentar, nem fez parte de nenhum governo petista, com exceção de uma meteórica passagem como assessor na prefeitura de Angra dos Reis (RJ).
Entretanto, mesmo sem cargos formais, Wladimir continuou colaborando de forma militante com o PT, por exemplo, na Fundação Perseu Abramo e em atividades de formação, além de assumir algumas tarefas de inteligência na campanha presidencial de 1994.
Exceto pelo curto período em que foi profissionalizado pelo partido, Wladimir ganhou a vida trabalhando nas mais diversas atividades, como, por exemplo, a agropecuária, o artesanato, a manutenção de máquinas pesadas e locomotivas, como linotipista, repórter, redator, diretor editorial, tradutor, consultor e professor. Noutras palavras, Wladimir era um “revolucionário profissional”, não um político profissional.
Vale dizer, também, que Wladimir não teve formação acadêmica; muitas vezes disse que seu diploma universitário “fora obtido na cadeia”. Brincadeiras à parte, é provável que a ausência de vida acadêmica tenha contribuído para manter grande parte de sua obra numa espécie de semiclandestinidade, isso apesar de ter sido – entre outras coisas — um dos primeiros brasileiros a decifrar corretamente o “enigma chinês”.
Entre as obras de Wladimir, uma vertente abordou a dialética marxista (“A dialética da história”, em quatro volumes). Outra vertente abordou temas da história do Brasil e da esquerda brasileira. É o caso de “Araguaia, o partido e a guerrilha e de “Pedro Pomar: uma vida em vermelho”; “Quase lá, Lula e o susto das elites”; “Um mundo a ganhar”; “Brasil, crise internacional e projeto de sociedade”; “O Brasil em 1990 e a Era Vargas: a modernização conservadora”; “Cartas do Passado”. É o caso, também, da autobiografia intitulada “O nome da vida”.
A terceira vertente dedicou-se ao debate sobre o socialismo. Wladimir Pomar escreveu diversos estudos e livros sobre a China, entre os quais “O enigma chinês: capitalismo ou socialismo”; “China, o dragão do século XXI”; “A revolução chinesa (Unesp)”; “China: desfazendo mitos”. Escreveu, ainda, uma trilogia sobre a teoria e a prática das tentativas de construção do socialismo, ao longo do século 20: “Rasgando a cortina”, “Miragem do mercado” e “A ilusão dos inocentes”.
Wladimir escreveu muito e parte segue inédita, a começar por uma carta de 2005, na qual fez alertas e críticas duras contra a conduta de certos dirigentes e filiados.
Ateu, marxista, comunista e petista, Wladimir Pomar foi recentemente convidado por seu amigo Beluce Bellucci a escrever uma apresentação à biografia de Apolônio de Carvalho, recém-publicada na França. Entregue em março de 2023, foi o último texto publicado de Wladimir:
“Eu tinha uns 10 anos de idade quando conheci Apolônio, logo depois do final da segunda guerra mundial nos anos 1940. Ele retornara da França e foi recepcionado pela direção e por muitos militantes do então Partido Comunista do Brasil, (PCB), do qual meus pais faziam parte. Na ocasião, mais do que a áurea de herói da guerra de resistência contra as tropas nazistas que ocupavam a França, me impressionou a delicadeza com que tratava a todos, incluindo as crianças que, como eu, haviam sido levadas para conhecê-lo”.
As palavras com que Wladimir Pomar resumiu Apolônio de Carvalho sintetizam, também, a atitude do próprio Wladimir e de tantos outros heróis mais ou menos anônimos do povo brasileiro: modéstia e luta.
Há mais de 40 anos, no dia 11 de abril de 1980, por ocasião do translado dos restos mortais de seu pai, Wladimir disse o seguinte: “Há, finalmente, quem diga que Pomar deixou uma herança. É verdade. Ele nos deixou o exemplo de sua vida, um legado de modéstia, de retidão de caráter, de dedicação à classe operária, ao povo e a seu partido, de amor entranhado à verdade, de aversão à vaidade e de constante alerta e combate aos próprios erros. Há quem queira ser dono desse legado. Essa pretensão é uma afronta a meu pai, que sempre se bateu contra o exclusivismo e o espírito de seita. A herança de Pomar, uma herança digna dos melhores revolucionários, não é patrimônio da família ou de qualquer grupo. Ela pertence a todo o seu partido, pertence a todos os revolucionários, à classe operária e ao povo explorado e oprimido”.
Wladimir Pomar presente, agora e sempre! •