Governo Lula retoma políticas públicas após apagão de Bolsonaro e marca presença histórica nos eventos da Parada do Orgulho em São Paulo, com a participação do ministro Sílvio Almeida e da secretária Simmy Larrat

Em novembro de 2018, o jornal Folha de S. Paulo registrava um movimento atípico: o repentino aumento de casamentos de pessoas do mesmo sexo. O motivo? O medo de retroceder e perder direitos já conquistados após a posse de Jair Bolsonaro. O presidente eleito já havia se manifestado contra a decisão do Conselho Nacional de Justiça, que reconheceu a união civil homoafetiva em 2013, e feito diversas falas agressivas – a mais conhecida foi a invenção de um suposto “kit gay” que teria sido distribuído pelos governos petistas. O aumento no número de casamentos e uniões formalizadas naquele ano, era, portanto, uma corrida contra o medo: apesar de ser um direito, a união, ainda hoje, não é lei aprovada pelo Congresso.

Embora Bolsonaro não tenha ido tão longe a ponto de derrubar direitos conquistados — enfrentando uma forte oposição e reação de ativistas — muito se perdeu durante os quatro anos de poder do bolsonarismo, seguindo dois anos de um governo ilegítimo, assumido por Michel Temer após o golpe parlamentar por intermédio do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Sob Bolsonaro e a pandemia, a população LGBQIA+ viu acontecer um apagão de políticas públicas. Além de desmantelar políticas, o governo estancou investimentos em saúde pública e cultura e propagou fake news que envolviam a população de sexualidade e identidade de gênero diversa. No apagão, os projetos para a população LGBTQIA+ eram discutidos pela Secretaria Nacional de Proteção Global, com a gerência do Departamento de Políticas de Promoção de Direitos de LGBTs. Tudo sob o controle do Ministério da Mulher, chefiado pela pastora evangélica Damares Alves, hoje senadora pelo Distrito Federal.

Em 2022, segundo levantamento da Associação Nacional de Travesti e Transexuais (Antra), o Brasil novamente ocupou lugar de destaque na lista dos países mais violentos com pessoas trans: ficamos em primeiro lugar pelo 14º ano consecutivo. O relatório foi entregue ao Ministério dos Direitos Humanos. Recriado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a pasta cumpriu uma de suas promessas de campanha: o respeito e a dignidade da população LGBQIA+ do Brasil.

No mês do orgulho, em junho, passados seis meses da gestão de Lula, o ministro Silvio Almeida participou da maior marcha por direitos do mundo, a 27ª Parada do Orgulho de São Paulo, na Avenida Paulista. Em janeiro, durante sua posse, o ministro havia dito à população LGBTQIA+ “vocês existem e são valiosos para nós”. A frase ecoou e se repetiu durante o evento, estampando inclusive material de conscientização distribuído pelo governo federal.

A presença de um ministro de Estado no evento foi a sinalização de novos tempos. Ao reforçar a necessidade de garantir direitos a essa população, a Parada 2023 trouxe como tema “Políticas Sociais para LGBT+: queremos por inteiro e não pela metade”. “A maior parte dos seus planos, programas, projetos, serviços e benefícios são disfarçadamente direcionados às famílias e indivíduos cisgêneros e heterossexuais”, diz o manifesto. “Essas distorções ficam evidenciadas quando procuramos fazer parte desses programas”. Uma das principais demandas já foi atendida pelo novo governo: a reinserção do gênero e da sexualidade na ordem de proteção de direitos humanos. Ambas haviam sido excluídas pelo governo Bolsonaro.

O ministro Silvio Almeida reconstituiu a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, que tem hoje à frente a secretária Symmy Larrat, a primeira mulher trans a ocupar a função de coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no governo de Dilma Rousseff.

Desfilando no primeiro carro de som do desfile, o ministro disse que a parada busca unir a sociedade brasileira e garantir direitos a todas as pessoas. “Essa é uma parada que, ao contrário que muitos dizem, não é celebração da divisão, é a celebração da união. É para mostrar que brasileiros são muitos e diversos, e pertencem ao nosso país e merecem a proteção do Estado brasileiro”, enfatizou Sílvio Almeida.

De forma estratégica e inédita no governo federal desde janeiro de 2023, a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ se mostra cada vez mais importante na composição do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A secretária Symmy Larrat e diversas outras integrantes do órgão marcaram presença na Parada. 

“O governo federal volta a se comprometer com a população LGBTQIA+ e assim queremos construir as políticas sociais necessárias para garantir o respeito e o acesso a serviços básicos a vocês. Precisamos mudar essa realidade de ódio e perseguição contra todas nós”, declarou Larrat.

A participação do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania foi inédita: diversos representantes cumpriram agendas em alusão ao Mês do Orgulho LGBT em São Paulo. Geralmente um evento excluído da programação oficial da Parada, neste ano a 21ª Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, Cis e Trans recebeu a presença do ministério também, com a participação da secretária Symmy Larrat.

Sobre a importância da presença do MDHC nas agendas que envolvem o Mês do Orgulho, Larrat refletiu a conquista. “Depois de tantos anos de perseguição, viemos às agendas da Parada Gay e tínhamos que estar aqui com vocês. Queremos caminhar com vocês e celebrar, mas não pode ser só um discurso. Dar visibilidade a esse movimento aqui é essencial para conquistar as políticas públicas na prática”, comentou.

O Ministério da Saúde também participou do evento na Avenida Paulista. Mascote da vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Zé Gotinha também subiu em um dos trios elétricos. Criticada pela oposição com declarações preconceituosas, a ação reafirma um outro compromisso do governo federal de Lula, a recondução do Brasil ao pódio da vacinação mundial.

Exemplo de êxito em campanhas e erradicação de doenças, o país estava mergulhado no negacionismo antivacina da extrema-direita liderada por Bolsonaro. “Zé Gotinha na parada? Temos! Quando se fala em proteção e prevenção, a vacinação também anda junto”, publicou o Ministério da Saúde.

A atenção do governo federal à população LGBTQIA+ atende à demanda de uma população cada vez mais diversa, embora não se enxergue assim. Se o Brasil lidera o ranking de violência, também se destaca entre as taxas de pessoas adultas que se assumem LGBTQIA+. O número foi citado pela primeira vez em 2022, num estudo inédito realizado pela Unesp e USP.

O Brasil aparece em destaque com o percentual de brasileiros que se declaram assexuais, lésbicas, gays, bissexuais e transgênero: 12%, cerca de 19 milhões de brasileiros. Publicado na revista científica Nature Scientific Reports, o trabalho é fruto do pós-doutorado do psiquiatra Giancarlo Spizzirri na Faculdade de Medicina da Unesp.

Para o estudo, Spizzirri determinou uma amostra representativa da população brasileira e foi a campo. Foram entrevistadas 6 mil pessoas maiores de idade, em 129 cidades, espalhadas nas cinco regiões do Brasil. Os questionários foram realizados pela equipe do Instituto Datafolha, entre novembro e dezembro de 2018. Os dados também confirmam o relatório da Antra: a chance de pessoas trans sofrerem violência sexual no Brasil é 25 vezes superior à de homens heterossexuais e cisgênero.

“Pessoas ALGBT (nomenclatura adotada pelo estudo) enfrentam piores condições de vida e índices de violência mais altos. O grupo luta contra a desigualdade socioeconômica, o estigma e a discriminação. Isso tem um efeito negativo na escola e no trabalho, bem como no acesso aos serviços de saúde. Como consequência, indivíduos ALGBT têm taxas mais altas de problemas de saúde física e mental”, comenta.

Este certamente é um mês do orgulho que se inicia diferente para a população brasileira, que passou os últimos anos sob intenso ataque, pressão e violência política. Os números mostram, no entanto, que não há tempo a perder. Celebrar é urgente, mas definir o futuro das políticas públicas, como cobra as associações e coletivos de luta em 2023, é definir a sobrevivência da população mais vulnerável e desamparada, que precisa das políticas públicas para viver.

“O que vocês pedem aqui não é um favor. É um dever do Estado brasileiro zelar pela saúde, garantir educação e que todas as pessoas tenham acesso a emprego e renda de forma digna”, disse o ministro Silvio Almeida. “É inegociável que vocês tenham direito de existir dignamente e amar como e quem vocês quiserem!” •

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