Em sua 15º edição, o Festival In-Edit Brasil traz 22 longas brasileiros na competição de documentários, além de mostrar o melhor do que vem sendo feito na combinação de pesquisa, história e documentação nas musicalidades de todo o mundo

Com um história que remonta ao século 16, as músicas produzidas no Brasil vêm sendo cada vez mais objeto de estudo, pesquisa e registro. Parte dessa produção pode ser vista no In-Edit, evento que já se tornou tradição na cidade de São Paulo, ao apresentar documentários em longa, média e curta metragens. Além dos filmes brasileiros, a versão nacional do festival, que também acontece na Europa (Espanha, Grécia e Holanda) e na América Latina (México e Chile), também exibe obras produzidas em outras partes do mundo.

Em São Paulo, a programação traz sessões gratuitas, além de debates, palestras e pocket shows, mas também é possível assistir ao festival pelo In-Edit TV, plataforma de streaming por assinatura e acompanhar os destaques da programação de forma gratuita no YouTube: youtube.com/ineditbrasil. Neste ano, o festival organizou uma seleção especial sobre o universo adolescente, a Mostra Teen, além de trazer 15 longas que entram na competição nacional, alguns deles estreando no festival. Além disso, o Panorama Mundial conta com 20 títulos, todos inéditos.

Entre os destaques da programação nacional, “Elis & Tom, só tinha que ser com você” recupera imagens dos ensaios e da gravação do disco “Elis e Tom” lançado pela dupla em 1974. Gravado em Los Angeles no início daquele mesmo ano, o álbum é considerado um dos grandes clássicos da MPB, num encontro até então sem registro em disco de um dos artífices da Bossa Nova, o compositor e maestro Tom Jobim, e uma das maiores cantoras reveladas nos anos 1960, Elis Regina. O clima de jam session e o fato de ter sido gravado quase que “ao vivo” no estúdio mostra a sintonia entre os dois artistas. A filmagem, feita pelo diretor Roberto Oliveira, restaurada de forma digital, é inédita até hoje.

Em “Terruá Pará”, o riquíssimo universo da música paraense chega por meio de depoimentos de músicos como Dona Onete, Manoel Cordeiro, Pio Lobato, captados pela câmera sensível de Jorane de Castro, cineasta e professora que vem se dedicando a registrar a enorme diversidade cultural da região amazônica.

Já em “Villa Lobos em Paris”, os diretores Alexandre Guerra e Marcelo Machado investigam o período em que Heitor Villa-Lobos morou na capital francesa nos anos 1920 e conviveu com artistas da vanguarda européia como Jean Cocteau, Andrés Segóvia e Arthur Rubinstein.

A Mostra Brasil abre rememorando o mestre Môa do Katendê, compositor profundamente ligado à história dos blocos afro de Salvador, assassinado por um bolsonarista ainda na campanha eleitoral de 2018. O título de mestre vem da capoeira, forma esportivo-artística com de raízes afrobrasileiras que representa a resistência das pessoas escravizadas à perseguição policial. Em “Môa – Raiz Afro-Mãe”, a trajetória de mestre exibe entrevistas com outros artistas ligados ao carnaval e à cultura afrobaiana, como Gilberto Gil, Lazzo Matumbi, Letieres Leite, entre outros.

A chamada “música de fossa”, apelido para um certo estilo ultra romântico e melancólico que perpassa vários gêneros da música brasileira vem em dose dupla: “Dolores Duran – O Coração da Noite” e “Lupicínio Rodrigues – Confissões de um Sofredor” . Os dois longas rememoram a vida de dois representantes do cancioneiro das dores de amor.

A cantora e compositora Dolores Duran, cuja carreira brevíssima (ela morreu aos 29 anos) marcou o samba-canção na noite carioca, criou clássicos como “Por Causa de Você”, “A Noite do Meu Bem” e “Estada do Sol”, entre outros e emprestou sua voz profunda, de “boate” a outras tantos sambas e boleros. Boêmia e independente, abriu caminho para várias outras artistas mulheres, como Maysa, Nora Ney, Marisa Gata Mansa, entre outras.

Já o compositor e cantor Lupicínio Rodrigues foi o criador de uma expressão que ficou raízes no português brasileiro: a “dor de cotovelo”. Aquela que acomete o/a amante traído/a e abandonado/a. Lupicínio compôs marchinhas e sambas durante toda sua vida, mas deixou poucos registros sonoros, ficando mais conhecido pelas vozes de Jamelão, Caetano Veloso, Elza Soares, Gal Costa e Paulinho da Viola, que não apenas gravou “Nervos de Aço” como deu o nome para seu LP de 1973.

O festival traz ainda o filme “Miúcha, a voz da bossa nova”, de Daniel Zarvos e Liliane Mutti. Construído a partir de inúmeras imagens de arquivo, depoimentos em fita cassete e cartas escritas por Miúcha, o filme revela o cotidiano da cantora, os desafios artísticos e pessoais e a luta para conquistar o merecido reconhecimento.

Concentrando-se no período em que foi casada com João Gilberto, o filme torna explícito o quanto ela era silenciada e sabotada pelo marido. O talento dela vai muito além do fato de ser irmã de Chico Buarque e ex-mulher de João Gilberto.

Outro documentário importante é As Origens da Lambada, de Sonia Ferro e Félix Robatto. o documentário guia o espectador pelos caminhos da Lambada – ritmo surgido no Pará nos anos 1970. Com origens no Caribe, o ritmo logo conquistou o estado e rapidamente se disseminou pelo resto do país.

A partir de depoimentos de personagens como Mestre Pinduca, o radialista Waldo Souza e o artista baiano Luiz Caldas, o documentário conta esta história, entremeada por canções de Félix Robatto, representante da nova geração da lambada.

No Panorama Internacional, os anos 1960 e 1970 recebem especial atenção com documentários sobre o frontman do T.Rex , o inglês Marc Bolan (“Angelheaded Hipster: The Songs of Marc Bolan & T. Rex”), a banda Can, pioneira do kraut rock (“CAN and Me”) e o guitarrista e fundador do Pink Floyd Syd Barrett (“Have You Got It Yet? The Story of Syd Barrett and Pink Floyd”).

A cena  novaiorquina do final dos ano 1970 vem como um documentário sobre o Max’a Kansas City, clube noturno que viu nascer bandas como Ramones, Patti Smith Group, Television, Blondie, Talking Head, B-52’s e, ainda, abrigou a tentativa de Sid Vicious, ex-Sex Pistols, de fazer carreira solo nos Estado Unidos.

O título talvez mais surpreendente dessa leva talvez seja “Personality Crisis: One Night Only”, dirigido por Martin Scorsese e David Tedeschi, que flagra o ex-vocalista do The New York Dolls, David Johansen, em uma apresentação no dia de seu aniversário de 70 anos dois meses antes do início da pandemia em 2020, em um café de Nova York. •

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