Presidente desembarca em Pequim para uma visita de Estado que promete ampliar os negócios entre os dois países, e vai assinar 20 acordos de cooperação: de telefonia 6G ao lançamento de satélites, passando por inteligência artificial

APOSTA O presidente lidera comitiva com empresários, ministros e parlamentares na visita a Pequim e Xangai. A visita de Estado é cercada de expectativa de novos negócios e terá grande impacto na relação entre os dois países

O Brasil dá início um projeto de ampliação de suas relações comerciais na nova visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim e Xangai, onde será recebido com honras pelo presidente Xi Jinping, que considera o líder brasileiro um velho amigo. Lula será acompanhado por uma delegação de 240 empresários, ministros de Estado e da ex-presidenta Dilma Rousseff, além de parlamentares.

O tamanho da delegação é visto pelo governo chinês como um sinal do forte interesse do lado brasileiro em ampliar a cooperação com Pequim. A ideia é que a ida de Lula estreite ainda mais os laços com a China e estabeleça um jogo de ‘ganha-ganha’ para os dois países.

A visita de uma semana de Lula, para a qual levará dezenas das figuras mais poderosas da política, indústria e agronegócio brasileiros – vem logo após as viagens do chefe de Estado brasileiros aos Estados Unidos e à Argentina, os outros parceiros comerciais mais importantes do Brasil depois da China.

Na comitiva estão líderes empresariais, incluindo donos da gigante processadora de carnes, grandes exportadores de soja, meia dúzia de ministros, três governadores de estado e dezenas de parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Lula será recebido por Xi Jinping e seu aliado próximo Li Qiang, o ex-chefe do Partido Comunista de Xangai que recentemente foi nomeado o novo primeiro-ministro da China.

EMPATIA O presidente Lula recebeu os cumprimentos do vice-presidente da China, Wang Qishan, quando tomou posse em 1º de janeiro. Os dois países intensificaram suas relações durante os governos de Lula e Dilma Rousseff

Para além da ampliação das relações comerciais, principalmente na agricultura e pecuária, o Brasil quer fazer uma aposta na cooperação tecnológica com a China. Lula vai assinar mais de 20 acordos de cooperação e intercâmbio, incluindo áreas sensíveis, como tecnologias de semicondutores, 5G, 6G e as próximas gerações de redes móveis, além de setores de inteligência artificial e células fotovoltaicas (para geração de energia solar).

Os memorandos de entendimento serão assinados durante a visita de Lula a Pequim nesta semana. Os acordos, que envolvem os ministérios de Ciência e Tecnologia, Comunicações e Anatel, preveem capacitação em desenvolvimento de aplicativos, nuvem, internet das coisas e algoritmos em aplicativos para a indústria. Todas essas áreas de tecnologias são consideradas sensíveis e estão no centro da guerra fria entre Estados Unidos e China.

A China domina quase metade do mercado mundial da etapa chamada de backend dos semicondutores, a finalização – teste, afinamento, corte e encapsulamento dos componentes. O país também atua no frontend, etapa que compreende a fabricação do componente. Mas os chineses não conseguiram ainda produzir os chips mais avançados, cuja tecnologia ainda é monopólio de Taiwan e Coreia. Hoje, o Brasil tem 11 grandes empresas na cadeia de produção de semicondutores, mas com capacidade apenas no chamado backend da cadeia. O interesse dos dois países é mútuo e ambos têm a se beneficiar.

Nos últimos meses, Washington sinalizou várias vezes ao Itamaraty o interesse de promover investimentos na cadeia de semicondutores no Brasil. Os chineses, como parte do pacote de recepção de honra a Lula em Pequim, devem acenar com possibilidade de cooperação em fábricas de semicondutores no Brasil, com produção voltada para o mercado brasileiro.

Daí porque a maior cooperação entre China e Brasil despertou em observadores nos EUA muita preocupação. E Pequim sabe disso. O Global Times, jornal ligado ao Partido Comunista da China, que saudou a ida do presidente brasileiro, apontou que, “desde que Lula foi reeleito como presidente do Brasil, muitos meios de comunicação ocidentais e think-tanks têm feito alguns ruídos desarmoniosos em uma aparente tentativa de interromper e desacreditar a cooperação China-Brasil”. 

A Reuters distribuiu nota anunciando a ida do brasileiro à China para reatar as relações com o maior mercado de exportação de seu país e buscar novos investimentos chineses no país latino-americano. “Lula se encontrará com Xi Jinping no dia 28 de março em Pequim, o primeiro líder estrangeiro a visitar o líder chinês desde que ele garantiu um terceiro mandato como presidente sem precedentes”, informou.

A aproximação de Brasília e Pequim preocupa os Estados Unidos, que foram menos generosos ao darem a mão ao Brasil na última visita de Lula à Casa Branca, em fevereiro. A agência observa que a viagem à China ocorre menos de dois meses depois que Lula se reuniu com Joe Biden, em Washington, enquanto “Brasília almeja uma política externa pragmática equilibrando os laços com seus principais parceiros comerciais, apesar das crescentes tensões entre os dois países”.

O britânico The Guardian também noticiou a turnê de Lula. ‘O Brasil está de volta’: Lula visitará Xi ao reatar relações diplomáticas com a China — apontou o jornal em reportagem no alto da página 31, na edição de sexta-feira, 24. Mas a China atribui a ida do brasileiro a uma reativação dos velhos laços dos dos países, que se estreitaram com Lula e Dilma na Presidência, a partir de 2003.

Na última semana, em texto noticioso anunciando a visita do presidente do Brasil, o Global Times reproduziu trecho de artigo publicado em janeiro pelo Carnegie Endowment for International Peace, um think-tank com sede em Washington: “Lula não pode simplesmente contar com a China desta vez”.

O jornal internacional do PC chinês ironizou: “Desnecessário dizer que tais tentativas não alterarão a tendência geral de crescimento da cooperação econômica e comercial entre a China e o Brasil, resultado natural da forte complementaridade econômica entre os dois países”.

Além do aspecto econômico, uma aliança considerada estratégica pelo governo Lula se dará numa área que é prioridade para o Planalto: o combate à fome. Os governos Lula e Xi vão assinar um compromisso de combater a fome e a pobreza extrema, prevendo até mesmo a construção de uma aliança nos organismos multilaterais para colocar o tema na agenda internacional.

Além disso, assim como a China, a principal estratégia do Brasil é promover o desenvolvimento econômico e social. E a cooperação entre os dois países é especialmente crucial em um momento tão difícil de incerteza econômica global. O esforço de Pequim é trabalhar para que Brasília ignore os ruídos do Ocidente, para que os dois países se concentrem em aumentar a cooperação e a competitividade econômica.

Apesar dos impactos da pandemia de covid-19 na economia global nos últimos três anos, a relação comercial entre a China e o Brasil vem alcançando novos patamares. O comércio bilateral ultrapassou US$ 100 bilhões por cinco anos consecutivos, e a China permaneceu como o maior parceiro comercial do Brasil por 14 anos consecutivos. Em 2022, as exportações brasileiras para a China somaram US$ 89,43 bilhões, o que representa 26,8% do total do país. O Brasil também é o maior destino de investimentos da China na América Latina.

Lula visitou a China pela primeira vez em 2004. Ele liderou uma grande delegação de ministros, governadores e líderes empresariais em uma tentativa de estreitar os laços com a segunda maior economia do mundo. Apenas cinco anos depois dessa viagem, a China ultrapassou os EUA como o maior parceiro comercial do Brasil, em 2009, sob a Presidência de Lula. É hoje o maior receptor de investimentos chineses na América Latina, impulsionados por gastos em linhas de transmissão de eletricidade de alta tensão e extração de petróleo A esperança do governo chinês é que a visita de Lula desta vez levará mais uma vez as relações econômicas China-Brasil a um novo patamar.

O aprofundamento da parceria econômica e comercial entre a China e o Brasil impulsionou o desenvolvimento da agricultura, infraestrutura, ciência e tecnologia, comércio eletrônico e outros campos, contribuindo muito para o crescimento econômico do Brasil. Para desenvolver o potencial da cooperação econômica e comercial bilateral, a China e o Brasil estão trabalhando juntos para promover medidas de facilitação de investimentos, moldar conjuntamente o ambiente de segurança da cadeia industrial e da cadeia de suprimentos, aprimorar as capacidades de desenvolvimento sustentável e realizar cooperação prática nas principais indústrias. •

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