Terror na terra de deus
O ministro das Finanças de Israel elogia o ataque de vingança dos colonos aos palestinos da vila de Huwara, fornecendo mais combustível para uma terceira intifada. A situação no Oriente Médio está se agravando com o massacre de palestinos
O aparentemente eterno conflito Israel-Palestina agora inclui a participação cada vez mais volátil de colonos israelenses na Cisjordânia, que se opõem fervorosamente a qualquer compromisso que conceda terras e soberania aos palestinos que vivem naquela região.
A contínua violência palestina segue o caminho de duas revoltas anteriores, cada uma chamada de “intifada” em árabe. Os colonos estão engajados em sua própria versão da intifada – violência para sacudir um compromisso quase dormente de “terra pela paz” que daria soberania aos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
No final do mês passado, um grupo de colonos invadiu a cidade palestina de Huwara, na Cisjordânia, incendiou casas e carros e matou um homem. O ataque foi anunciado como uma punição de vingança pela morte de dois colonos israelenses mortos por atiradores palestinos.
Um membro do governo de Israel abençoou o ataque. “Acho que a vila de Huwara precisa ser exterminada”, disse o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, embora tenha acrescentado que o Estado de Israel é quem deveria fazê-lo.
Rapidamente, Smotrich se tornou um garoto-propaganda para os israelenses que querem a expulsão ou pelo menos o confinamento em enclaves fechados de palestinos na Cisjordânia. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, promotor de assentamentos israelenses, rapidamente saiu a declarar que os comentários eram “inapropriados”.
Mas o ataque de Huwara e o comentário do ministro das finanças ilustraram a rejeição de longa data da “solução de dois Estados” tanto pelos colonos quanto por uma série de governos israelenses hipernacionalistas, a maioria deles liderados por Netanyahu. Isso se tornou mais evidente à medida que a violência aumentou ao longo deste ano.
Em termos práticos, separar a Cisjordânia de Israel é absurdo. A população israelense na Cisjordânia cresceu de 94.000 em 1999, quando a solução de dois Estados formou a base das negociações de paz árabe-israelenses, para 450.000 agora. Cerca de 100 “postos avançados” estão espalhados por toda a área. Israel controla os recursos hídricos e as terras altas que separam os três principais enclaves palestinos.
A população palestina da Cisjordânia é de 2,7 milhões. Uma rede de estradas e cercas exclusivas para colonos destina-se a manter israelenses e palestinos separados, embora Huwara fique em uma das estradas usadas por ambos.
O enclave palestino costeiro da Faixa de Gaza, desprovido de assentamentos, mas isolado por muros e pela falta de um porto marítimo ou aeroporto, contém 2 milhões de palestinos.
Os lados do conflito respondem reflexivamente à agitação. Os governos israelenses costumam pedir calma. A Autoridade Palestina, que governa a população na Cisjordânia, exige negociações de paz. Nenhum dos dois conseguiu nada.
A guerra na Ucrânia e as tensões China-EUA eclipsam de longe a violência no Oriente Médio na mente global. Quanto a Israel e aos palestinos, o presidente dos EUA, Joe Biden, concentrou sua preocupação na possibilidade de o conflito desviar a atenção de uma ameaça diferente – o desenvolvimento de armas nucleares pelo Irã e sua “contínua agressão regional e global”.
Nominalmente, Biden continua a apoiar a solução de dois Estados para o conflito. Em 9 de março, o secretário de Defesa, Lloyd Austin, tirou uma folga do premente conflito na Ucrânia para visitar Netanyahu em Israel. Austin criticou a violência dos colonos, mas não mencionou soluções para o conflito.
“Os Estados Unidos continuam firmemente contrários a quaisquer atos que possam desencadear mais insegurança, incluindo expansão de assentamentos e retórica inflamatória”, disse. “Estamos especialmente preocupados com a violência dos colonos contra os palestinos”.
A administração dos EUA deu um tapa simbólico em Israel ao cancelar a participação de qualquer um de seus membros em uma aparição para arrecadação de fundos em Washington por Smotrich, o ministro que quer que Huwara seja esmagado.
A militância dos colonos vem crescendo desde o início dos anos 1990, quando Israel e os palestinos assinaram os Acordos de Oslo, nomeados em homenagem à cidade onde as negociações de paz ocorreram. Os tratados foram projetados para providenciar a devolução de terras aos palestinos em troca da paz duradoura.
Mas, em 1994, um atirador armado matou 30 fiéis palestinos no principal santuário muçulmano na cidade de Hebron, na Cisjordânia. No ano seguinte, o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, que era a favor dos acordos de Oslo, foi assassinado em Telavive. Seu assassino, embora não fosse um colono, havia organizado viagens de estudantes de Israel à Cisjordânia. Antes de ser condenado à prisão perpétua, o assassino disse à polícia que assassinou Rabin porque os colonos não estavam à altura da tarefa porque “estão preocupados com sua imagem”.
Nos anos seguintes, indivíduos e grupos organizados de colonos realizaram agressões físicas e ataques incendiários contra palestinos. Em fevereiro deste ano, B’Tselem, a organização israelense de direitos humanos, registrou 20 ataques de civis contra palestinos, além do ataque a Huwara.
Os atos incluíram espancamentos e uso de spray de pimenta em civis palestinos, derrubada de olivais e dispersão de rebanhos de ovelhas e destruição de barracos.
Netanyahu, durante seus 14 anos de períodos intermitentes no poder, se opôs a um acordo de terra por paz. Seu mantra é paz por paz, ou seja, a aceitação pelos palestinos do controle de Israel sobre todas as terras entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão. Os parceiros da coalizão governante de Netanyahu são ainda mais inequívocos. Eles acreditam que o conflito na Cisjordânia só pode ser resolvido pela força.
O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, que vive em um assentamento, usa a mesma linguagem do ministro da Fazenda quando descreve as soluções para o conflito: “É hora de acabar com a política de aceitação. Os terroristas devem ser esmagados”.
Netanyahu também enfrenta problemas políticos não relacionados. As manifestações abalaram o país nos últimos dias, embora não sobre a questão palestina. Em vez disso, os protestos se concentram nas medidas de Netanyahu para reduzir os poderes judiciais que poderiam levá-lo a julgamento e condenação por acusações de corrupção de longa data.
Enquanto isso, a Autoridade Palestina está paralisada pelo medo de que seu arquirrival, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), que governa a Faixa de Gaza, esteja crescendo em popularidade.
Qualquer acordo da Autoridade Palestina para trazer “calma” sem algum tipo de progresso em questões territoriais iria corroer ainda mais seu domínio minguante sobre os palestinos da Cisjordânia. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, já recusou uma oferta americana de US$ 60 milhões em ajuda para sua força policial combater os insurgentes da Cisjordânia.
Biden é hostil com Netanyahu, mas quando era vice-presidente de Barack Obama, falou ao Congresso dos EUA a convite dos republicanos. O líder israelense se manifestou contra o plano de Obama de restringir a capacidade do Irã de fabricar armas nucleares. Mas Biden não tentou forçar nem os israelenses nem os palestinos a se comprometerem. •
Tradução de Olímpio Cruz Neto