O mais antigo bloco de rua de Brasília retoma o bom humor e ironiza os ‘patriotas dos quartéis’. Agremiação foi ponto de resistência à ditadura e agora agita a capital com novas marchinhas ácidas

Criado em 1978 por jornalistas como forma de satirizar a ditadura militar, o Pacotão é o mais antigo bloco de carnaval de rua de Brasília. Este ano, o irreverente grupo volta às ruas depois de dois anos de reclusão por causa da pandemia da Covid-19. Famoso pelas ácidas críticas políticas e sociais ao longo dos governos, o bloco realizou no início de fevereiro o seu 42º Concurso de Marchinhas.

“Mesmo já idosa, ela nem despista/ Preconceituosa, homofóbica e fascista/ Odeia livros, detesta artista/ Seu hobby agora é ser a tia terrorista”, diz uma das marchinhas que estão na disputa. A marcha já ganhou a simpatia de foliões. Outra canção que brinca com os tempos atuais e que está na disputa é “Não amola, Mané”, de Nilva Souza e Felippe Rodrigues.

A letra tem como mote o momento de reconstrução política do país. “Vamos reconstruir/ Quero Brasil de pé/ Daqui não vou sair/ Sabe como é/ Tentaram nos roubar/ Mas pegaram os mané”. Em outro trecho, os versos reforçam a derrota do candidato do atraso, na eleição presidencial de 2023: “Vamos reconstruir/ Na marcha pela paz/ Não, não amola rapaz/ Quero Brasil de pé/ Tentaram nos roubar/ Mas pegaram os mané”.

Em 2020, o último concurso realizado pelo Pacotão foi vencido pelo professor e poeta José Sóter, em parceria com Maria Sabina e Assis Aderaldo, com a música “Contra o fascismo na contramão”.

O Pacotão nasceu na capital do país, em pleno regime militar, com uma proposta, no mínimo, atrevida: tocar marchinhas que criticassem e ironizassem a ditadura – sem que isso fosse considerado subversivo.

Para além dos versos musicais, as fantasias também eram uma forma sutil de protesto. Os pacoteiros – como eram chamados (e ainda são) os foliões que carregavam estandartes e até faixas, algo que nunca fora característico do carnaval da cidade.

Reza a lenda que agentes do famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI) e da Polícia Federal se infiltravam no bloco, no final dos anos 80, buscando mensagem ofensivas ao regime.

“Eles pegavam as faixas, caminhavam um pouco com elas e depois saiam e levavam”, relembra o jornalista Alexandre Lobão, um dos fundadores do bloco. “Como o bloco ganhou fama nacional e era época de abertura, não dava pra prender justo jornalista né?”

Agora, a folia retoma em Brasília com o tradicional e etílico bom humor crítico da agremiação, chamada suntuosamente de a Sociedade Armorial Patafísica Rusticana – O Pacotão. •

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