Única vereadora do PT em  São Miguel d’Oeste (SC), Maria Tereza Capra foi cassada por falta de decoro. Ela denunciou gestos semelhantes aos dos nazistas em manifestação bolsonarista em novembro de 2022. E vai recorrer da decisão

Centenas de pessoas reunidas erguem os braços direitos de forma parecida às paradas militares e comícios do Terceiro Reich na Alemanha de Adolf Hitler. Diante de um quartel do Exército, o grupo pede intervenção militar que impeça a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A cena ocorreu em 2 de novembro de 2022. Foi registrada em vídeo por participantes e rapidamente se espalhou nas redes sociais. A vereadora Maria Tereza Capra (PT), de São Miguel D’Oeste (SC), compartilhou o vídeo e protestou, apontando a semelhança daquilo com a saudação nazista.

Por causa disso, Maria Tereza teve seu mandato cassado pela Câmara Municipal de São Miguel D’Oeste, pouco mais de 90 dias depois. Foi acusada de quebra de decoro. O placar mostra um massacre: 10 votos contra um. Dez homens, vereadores que fizeram campanha por Bolsonaro, contra uma mulher, a própria Maria Capra. A outra vereadora não compareceu à sessão que condenou a colega, na noite de 3 de fevereiro.

Os algozes alegaram que a crítica da vereadora conspurcava a imagem da cidade. Mais que isso: o gesto dos braços erguidos que pediam anulação do voto popular não teria nenhuma relação com o nazismo. Alguns vereadores participaram daquela manifestação. A um só tempo acusadores e juízes, os vereadores tentavam contrariar as similaridades dos gestos.

Em sua postagem, Maria Capra não acusou ninguém de “nazismo”, apenas chamou atenção para o risco de que aquelas pessoas, reunidas no trevo rodoviário da cidade, estivessem sendo manipuladas por verdadeiros simpatizantes nazistas.

Mas foi ou não um gesto nazista? Para tentar provar que Maria Capra estava errada, e que a concentração golpista reunida estaria, na verdade, erguendo os braços para emanar energias positivas ou algo parecido, seus acusadores, entre os quais os vereadores bolsonaristas, lançaram mão de recursos heterodoxos.

O perfil da petista nas redes sociais foi inundado por mensagens assustadoras, incluindo ameaças de agressão e morte, em pouco mais de uma hora após a postagem. Maria Capra excluiu o vídeo, por temer a violência contra si e suas duas filhas. Em grupos de WhatsApp, vereadores da cidade garantiam que ela seria cassada. Referiram-se à parlamentar usando palavras torpes.

Em 3 de novembro, a Câmara Municipal promoveu sessão equivalente a um linchamento, em que vereadores e plateia, exaltados, prometiam vingança. Depois de registrar ocorrência, a vereadora optou por sair da cidade e refugiar-se em casa de amigos.

Cidade de 41 mil habitantes, próxima da fronteira com a Argentina,  São Miguel D’Oeste, vivenciou em 2022 uma campanha presidencial profundamente marcada pela violência política. Bolsonaro obteve 66% dos votos no segundo turno. Seus apoiadores fizeram circular listas de comerciantes e profissionais suspeitos de votar em Lula, conclamando a população a boicotá-los. Maria Capra, advogada que tem escritório na cidade, foi uma das moradoras a perder clientela, acusada de “financiar o comunismo”, segundo palavras usadas na lista de boicote.

Uma das propostas dos grupos bolsonaristas de WhatsApp era colar adesivos com a estrela do PT nas residências e pontos comerciais dos suspeitos, para melhor executar a perseguição. Quase o modus operandi dos nazistas que marcavam casas de judeus nos anos 30 e 40 na Alemanha. Em São Miguel D’Oeste isso não chegou a acontecer, mas a marcação ocorreu na vizinha Descanso.

Para além da disputa das eleições, estudiosos de movimentos extremistas têm apontado um crescimento assustador de grupos e células neonazistas desde a eleição de Bolsonaro. A falecida antropóloga Adriana Dias, pesquisadora especialista em grupos neonazistas brasileiros, apontou que existiam 530 núcleos neonazistas no país. O número aumentou 270,6% de janeiro de 2019 a maio de 2021. Só em Santa Catarina, grupos e células tiveram aumento de 158% nesse mesmo período.

Maria Capra promete recorrer para recuperar seu mandato. Tem apoio dos diretórios estadual e nacional do PT. No dia em que ocorreu a sessão que cassou seu mandato, ela voltou à cidade e foi amparada por militantes do partido e de movimentos sociais. Dirigentes do PT, como a ex-ministra Ideli Salvatti, compareceram.

Dias antes, em visita ao Ministério dos Direitos Humanos, em Brasília, Maria Capra havia solicitado escolta policial. O ministro Silvio Almeida respondeu positivamente. Mas a seção catarinense da Polícia Federal não providenciou a escolta, apesar da determinação.

“Eu não posso aceitar a ilegalidade da minha cassação”, disse Maria Capra à Focus. “Quero recuperar o mandato, até porque essa questão extrapolou o município. Temos de ter responsabilidade e deter o fascismo. As futuras gerações não podem assistir a isso e ficar com a impressão que é algo justo ou natural”.

Pouco antes da cassação, quando subiu à tribuna da Câmara para se defender, Maria Capra dirigiu-se aos vereadores lembrando dos momentos em que trabalharam juntos por projetos de interesse da cidade. Falou do seu carinho por São Miguel D’Oeste, onde vive desde 1986 e cumpria seu terceiro mandato.

Num determinado momento, exibiu uma foto dela com a ex-presidenta Dilma Rousseff e pediu que uma nova injustiça não ocorresse e que a cidade não fosse contrariada pela verdade no futuro. A votação foi encerrada já de madrugada. “Estou muito decepcionada”, lamentou. “Mas me sinto motivada para continuar na luta”. •

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