Demissões no submundo do comentarismo político de direita esvaziam emissora. Incentivo aos atos golpistas colocam na mira do MPF

Era uma vez uma feliz máquina de mentiras. Mas, com a demissão dos comentaristas Rodrigo Constantino e Zoe Martinez, a Jovem Pan bate mais um prego em seu ataúde. Logo depois da eleição de Lula, começou o expurgo de analistas e colunistas da Jovem Pan News, a emissora criada em 2018 para servir de linha auxiliar ao bolsonarismo.

O time que se aglutinou em torno da Pan não deixava dúvida sobre sua linha editorial: Augusto Nunes, Ana Paula Henkel, Caio Coppola, Guilherme Fiúza e Rodrigo Constantino. Todos apoiadores de primeira hora de Bolsonaro às eleições e em comunhão com o discurso violentamente antipetista, neoliberal e defensor de valores conservadores: pátria, família e liberdade.

Em nome da defesa do governo de Jair, tais colunistas cometeram toda a sorte de barbaridades jornalísticas e defenderam o indefensável nos últimos quatro anos. Quando a maré virou, em outubro de 2022, já no dia seguinte às eleições, Tutinha, dono da Jovem Pan, tentou um rápido reposicionamento de marca e começou a se livrar dos seus antigos parceiros.

Na primeira leva, saíram Nunes, Coppola, Fiúza e a jornalista Carla Cecato, que emprestou sua imagem para apresentar programas eleitorais no horário político de Jair Bolsonaro.

Na mesma leva, o comentarista Guga Noblat, e os jornalistas Maicon Mendes e Cristina Graeml, que faziam algum contraponto crítico à gestão Bolsonaro ou jornalismo com alguma isenção, também foram demitidos ou pediram demissão. Mendes e Graeml manifestaram-se publicamente sobre a perseguição que sofriam por sua resistência às fake news e mentiras que, nos programas de debates e análise, corriam soltas.

Mesmo com o investimento pesado em colunistas governistas (e alguns presentes concedidos pelo próprio Bolsonaro), a  emissora enfrentava audiência perto do traço e fuga de patrocinadores que começaram a deixar de anunciar na Jovem Pan cedendo à pressão de organizações como o Sleeping Giants e temendo as investigações sobre disseminação de fake news.

Mesmo com as demissões de colunistas, o traço direitista e o incentivo aberto ao golpismo e às teses bolsonaristas, da defesa do tratamento precoce para Covid à desconfiança da lisura do processo eleitoral eletrônico, permaneceu como marca da Jovem Pan. Considerando que o próprio dono da empresa, o Tutinha, é um entusiasta do ex-presidente, não é de se espantar.

Na segunda-feira seguinte aos ataques golpistas em Brasília, num lance inusitado, o próprio Tutinha renunciou à presidência da empresa. Analistas de mercado viram na manobra uma tentativa desesperada de se defender em inquérito instaurado pelo Ministério Público para investigar responsabilidades da emissora em incentivar o golpismo na cobertura do 8 de janeiro.

Ainda assim, o gesto do executivo parece não ter sido o suficiente para acalmar os pânicos da emissora, agora dirigida por Roberto Araújo, ex-CEO da Jovem Pan. Constantino e Martinez acabaram sendo demitidos na última segunda-feira, 16 de janeiro.

Bolsonarista de primeira hora e conservador desde criancinha, Constantino já foi levado a sério como economista por publicações como o jornal O Globo e a revista Veja, lá no final dos anos 1990 e início dos 2000. Sintonizado com Jair, ele parece ter perdido o rebolado depois das  eleições, num crescendo de agressividade.

Em novembro, não apenas secundou a tese de fraude, como disse que a vitória de Lula teria sido resultado de “um malabarismo do Supremo”. Na mesma linha de delírio golpista, Martinez defendeu que as Forças Armadas destituíssem os ministros do STF.

Ainda que o fechamento ou a crise de um veículo de comunicação não seja coisa para se comemorar, com o que traz de demissão de profissionais de vários níveis (jornalistas e técnicos), o caso da Jovem Pan, tão aderida ao bolsonarismo que atravessou a linha da ética e abrigou inimigos da democracia, pode servir de alerta para quem ainda aposta nas fake news como instrumento legítimo no jornalismo e na comunicação. •

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