As invasões bárbaras
Uma semana depois da posse, bolsonaristas atacam instituições, depredam palácios dos Três Poderes e são presos. Brasil reage em defesa da democracia. Mas é chegada a hora de colocar o ex-presidente na cadeia. Lula decreta intervenção na segurança do DF
O que muitos diziam ser uma manifestação pacífica e ordeira revelou-se por completo no domingo, 8 de janeiro. Uma semana após Luiz Inácio Lula da Silva tomar posse da cadeira de presidente da República, radicais bolsonaristas tomaram Brasília de assalto e promoveram um quebra-quebra que deixou a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, como um passeio no parte. A anunciada tentativa de golpe de Estado por partidários do líder da extrema-direita brasileira finalmente aconteceu.
Apoiadores de Jair Bolsonaro, que se recusavam a aceitar sua derrota para Lula, tomaram a Praça dos Três Poderes, invadiram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, mostrando uma selvageria que deixaria os visigodos, no início do século 3, satisfeitos pela desordem e destruição praticados.
Numa evidente falha das forças de segurança, que subestimaram ou estiveram coniventes com os arruaceiros que tomaram o centro do poder na capital brasileira, milhares de manifestantes contornaram as barricadas, subiram em telhados, quebraram janelas e invadiram os três prédios.
Histéricos e francamente incitados por militares de pijama, empresários e oportunistas, alguns dos manifestantes pediam intervenção militar para restaurar o poder de Bolsonaro e tirar à força Lula da Presidência da República. A conduta de policiais militares e legislativos foi claramente conivente, facilitando a entrada dos agressores da democracia aos corredores dos palácios.
Horas se passaram antes que o controle dos prédios da vasta Praça dos Três Poderes de Brasília fosse restabelecido, com centenas de participantes presos. O secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, viajou na véspera do episódio para os Estados Unidos, onde encontrou-se com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista coletiva no estado de São Paulo, Lula acusou Bolsonaro de encorajar a revolta daqueles que chamou de “fanáticos fascistas” e leu um decreto recém-assinado para que o governo assuma o controle da segurança pública no Distrito Federal. Ainda na noite de domingo, o ministro da Justiça, Flávio Dino, designou o secretário-executivo da pasta, Ricardo Capelli, interventor da segurança em Brasília.
“Não tem precedente na história do nosso país. Não existe precedente o que essa gente fez e por isso essa gente terá que ser punida. E nós, inclusive, vamos descobrir quem são os financiadores desses vândalos que foram à Brasília. Nós vamos descobrir os financiadores e todos eles pagarão com a força da lei esse gesto de irresponsabilidade, esse gesto antidemocrático e esse gesto de vândalos e de fascistas”.
Bolsonaro sempre manteve uma relação tensa com integrantes da Suprema Corte. Ainda em setembro de 2021, durante as comemorações do Dia da Independência, chegou a xingar o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”. A porta do armário de Moraes na sala branca dos magistrados, foi arrancada por manifestantes, que destruíram o plenário da Suprema Corte.
Os radicais golpistas ainda pulverizaram mangueiras de incêndio dentro do prédio do Congresso e saquearam escritórios no palácio presidencial. Janelas foram quebradas em todos os prédios. Os prejuízos são calculados em algumas dezenas de milhões de reais, mas o levantamento ainda não foi concluído.
Bolsonaro, que voou para a Flórida antes da posse de Lula, repudiou com timidez os protestos. Ele escreveu no Twitter que protestos pacíficos fazem parte da democracia, mas vandalismo e invasão de prédios públicos são “exceções à regra”. O ex-presidente passou a ser alvo de investigação depois de ter publicado vídeo em rede social onde questiona a legitimidade da eleição de Lula. Ele apagou no dia seguinte a mensagem.
Soldados da polícia militar foram filmados por câmeras de televisão fazendo pouco esforço para conter as manifestações. Alguns se limitaram a disparar gás lacrimogêneo em seus esforços para recuperar os prédios. Emissoras de televisão mostraram no final da tarde como manifestantes marcharam pela rampa do palácio presidencial sem quaisquer dificuldades.
No início da noite, com o controle das autoridades sobre os prédios restaurado, o ministro da Justiça, Flavio Dino, disse em uma coletiva de imprensa que cerca de 200 pessoas haviam sido presas e os policiais estavam disparando mais gás lacrimogêneo para afastar os manifestantes remanescentes. Mais de 1.300 pessoas foram detidas no dia seguinte, identificadas, fichadas e levadas para o presídio da Papuda e da Colmeia.
Especialistas em segurança pública e mesmo autoridades questionaram como a polícia havia ignorado tantos avisos, estava despreparada ou de alguma forma cúmplice dos organizadores das manifestações. Lula disse em entrevista coletiva que houve “incompetência ou má-fé” da polícia, e que eles também foram complacentes quando apoiadores de Bolsonaro se revoltaram na capital em 12 de dezembro, quando tomaram o centro da capital e incendiaram veículos, sem que ninguém tenha sido preso pela polícia militar. Lula prometeu que esses oficiais serão punidos e expulsos da corporação.
A mídia estrangeira fez questão de estabelecer paralelo do assalto em Brasília ao ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos por apoiadores do então presidente Donald Trump. Analistas políticos alertaram por meses que um ataque semelhante era uma possibilidade no Brasil, uma vez que Bolsonaro semeou dúvidas sobre a confiabilidade do sistema de votação eletrônica do país — mesmo sem qualquer evidência.
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse a repórteres que os distúrbios no Brasil foram “ultrajantes”. Seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, deu um passo adiante no Twitter e disse que os EUA “condenam qualquer esforço para minar a democracia no Brasil”.
Mais tarde, Biden tuitou que esperava continuar trabalhando com Lula, chamando os distúrbios de “ataque à democracia e à transferência pacífica de poder no Brasil”. O secretário de Relações Exteriores britânico, James Cleverly, declarou: “As tentativas violentas de minar a democracia no Brasil são injustificáveis. O presidente Lula e o governo do Brasil têm total apoio do Reino Unido”.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, também condenou o ataque às instituições democráticas do Brasil. Ele declarou que está confiante de que “a vontade do povo brasileiro e das instituições do país” será respeitada.
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, confirmou no Twitter que demitiu o secretário de segurança pública. Mas, ainda na noite de domingo, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, anunciou o afastamento do governador pelo período de 90 dias. A Advocacia-Geral da União, por meio do ministro Jorge Messias, pediu ao STF que decretasse a prisão de Torres, o que ocorreu na terça-feira, 10. •