Transição denuncia: Bolsonaro incorreu em graves abusos de poder econômico e político às vésperas das eleições. E isso configura crime eleitoral. O governo usou a máquina para incluir 2,5 milhões de beneficiários de olho nas urnas

O presidente Jair Bolsonaro deixou uma bomba-relógio para o governo eleito. A equipe de transição detectou que, no desespero diante das pesquisas que apontavam a iminente vitória de Lula, o Palácio do Planalto determinou a inclusão de 2,5 milhões de pessoas pouco antes das eleições no Cadastro Único para incluí-las no Auxílio Brasil. Outro revelação: em 2022, o número de famílias com apenas um integrante cadastrado saltou de 2 milhões para 4,5 milhões de beneficiários.

Segundo a ex-ministra de Desenvolvimento Social Tereza Campello, que integra o grupo técnico da área social na transição, a estratégia do governo Bolsonaro configura grave irregularidade. “Há fortes indícios de abuso de poder econômico e político por parte do governo, para além da incompetência e da má gestão”, aponta.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), coordenadora do GT da transição reforça as acusações. “Houve um verdadeiro desmonte de políticas públicas de assistência e desenvolvimento social no atual Ministério da Cidadania”, critica. “O ministério da Cidadania hoje no Brasil é apenas cidadania no nome. Hoje, quase todo orçamento está única e exclusivamente voltado para o Auxílio Brasil e o Auxílio Gás”.

Segundo o diagnóstico do GT de Desenvolvimento Social, que ainda conta com a ex-ministra Márcia Lopes, seriam necessários R$ 70 bilhões para complementar o Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família. Há ainda necessidade ede R$ 2 bilhões para o Auxílio Gás e mais R$ 2,6 bilhões para manter o funcionamento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Isso sem falar de outros programas como o de construção de cisternas, a compra de cestas básicas para situações emergenciais. Todos esses programas foram paralisados por decisão de Bolsonaro e para os quais seriam necessários pelo menos outros R$ 3 bilhões.

Coordenador dos GTs na transição, o ex-ministro Aloizio Mercadante afirmou que os dados levantados pelo são graves o suficiente para caracterizar crime eleitoral. Ele disse que a transição pretende usar os dados para fazer representações junto ao Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU) e à própria Justiça Eleitoral.

INDÍCIOS GRAVES A ex-ministra do Desenvolvimento Social acusa o governo Bolsonaro de ter usado a máquina do governo para ganhar votos

“Esses desdobramentos jurídicos dependem da instância. O TCU tem um tipo de avaliação, a Justiça Eleitoral outro e a Justiça Federal também. A Lei das Estatais estabelece a obrigatoriedade da gestão de risco. Esse programa do crédito consignado teve gestão de risco por parte da Caixa, que é um banco público, uma autarquia?”, questiona.

Mercadante disse que os grandes bancos não entraram na aventura do consignado porque há projeções de uma taxa de inadimplência elevada, o que é incompatível com o desenho da gestão de risco. “Tanto é assim, que o programa foi interrompido. Mas temos Toda a cadeia de responsabilidade, do candidato aos gestores que colocaram seu aval nesses procedimentos”, disse.

O ex-ministro destaca que os indícios são evidentes e robustos. “Como pode ter um crescimento exponencial de 2,5 milhões de pessoas (no Auxílio Brasil) e termina a eleição com a declaração de que ‘agora o novo governo tira um milhão e depois um milhão e meio (dessas pessoas) e faz de conta que fiz a minha parte, que só consegui enxergar isso quando terminou a eleição’”, criticou.

Tereza Campello apontou um crescimento anormal no número de beneficiários unipessoais — que residem sozinhos. A situação pode configurar fraude, caso duas pessoas da mesma família tenham se cadastrado independentemente uma da outra com o objetivo de acumular os benefícios.

Houve um aumento de 197% no número beneficiários com esse perfil cadastrados no programa durante o governo Bolsonaro. Isso por si indicaria o uso eleitoreiro do programa. De acordo com a ex-ministra, o cadastro de pessoas com esse perfil não ocorreu em larga escala devido à má fé dos beneficiários, mas por indução do atual governo.

Bolsonaro iniciou um programa de revisão da concessão dos benefícios. No entanto, o cronograma prevê apenas a análise de 8.000 casos em dezembro de 2022. Para janeiro, quando o novo governo já estiver atuando, a revisão deve atingir 1,1 milhão de beneficiários, situação considerada inviável pela transição. •

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