A doença do bolsonarismo
Como uma câncer, a extrema-direita segue contaminando a sociedade brasileira com seu discurso de ódio, sua aversão à democracia e à vontade popular. Apoiadores do presidente se mantêm nas ruas, provocando balbúrdia e promovendo a violência, inconformados com a derrota do ex-capitão
A derrota de Jair Bolsonaro tirou de circulação o presidente, que agora só aparece em público em raras ocasiões, em um silêncio obsequioso que deixou muitos jornalistas e comentaristas políticos felizes. Mas os bolsonaristas estão espalhados pelo país, inquietos, alimentando-se das fake news distribuídas pelo gabinete do ódio e dispostos a cometer atentados e todo tipo de loucura. É como um câncer em metástase, destilando ódio, servindo-se de conspirações manipuladas por penas de aluguel e sendo cevados por extremistas, que os estimulam a praticar atos terroristas.
Em algumas capitais, os bolsominions estão acampados em frente a quartéis do Exército, clamando por um golpe de Estado que impeça o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tomar posse em 1º de janeiro de 2023. Quando não estão bradando o SOS Forças Armadas, estão pedindo a prisão do presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes e a “intervenção” das FFAA.
Aos olhos de correspondentes estrangeiros, a situação é preocupante. Na segunda-feira, o jornalista Mac Margolis escreveu um artigo no Washington Post apontando que o apelo constante de uma minoria radical de descontentes se recusa a aceitar a derrota de Bolsonaro é um sintoma de que a democracia brasileira corre riscos.
“Nada poderia ser mais preocupante para a maior democracia da América Latina onde, 37 anos depois de derrubar a junta militar, os eleitores ainda olham por cima dos ombros”, alerta. “O desafio para Lula, e para o Brasil, não é apenas manter os militares fora da política; trocar generais por ministros civis é a parte fácil. A questão maior é como manter a política fora das Forças Armadas, mesmo quando guerrilheiros desolados imploram por resgate aos soldados”.
Com a anuência de Bolsonaro, as manifestações de fanatismo e vandalismo se alastraram como fogo pelo país nas duas últimas semanas de novembro. Em um intervalo de dias, o país assistiu a ameaça de um homem armado ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, ataques com tiros em um ônibus escolar em frente a um quartel que concentrava atos golpistas no Paraná, o incêndio de ônibus, tiros em caminhões da empresa do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi no Pará.
Na semana anterior, houve um ataque a uma equipe de jornalistas em frente da Academia Militar das Agulhas Negras em Resende (RJ) e tiros foram disparados contra a fachada de um bar considerado “de esquerda” em Brasília. Mas também houve um caso mais grave: a convocação, por parte de um bolsonarista, de atiradores para impedir a diplomação do presidente eleito Lula no próximo dia 12 de dezembro.
“Gostaria de pedir ao agronegócio, aos empresários, que deem férias aos caminhoneiros e mandem os caminhoneiros para Brasília. São só 15 dias, não vai fazer diferença. Também pedir aos CACs, atiradores que têm armas legais… Somos 900 mil atiradores no Brasil hoje, venham aqui mostrar presença”, disse o homem, em vídeo filmado em frente ao quartel-general do Exército em Brasília.
No último dia 30, o PT acionou o Supremo Tribunal Federal com pedido para que o primeiro sargento Ronaldo Ribeiro Travassos, que integra o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República seja investigado por ameaças a Lula e seus eleitores. Travassos é suspeito de incitação e apologia à prática de crimes contra o resultado eleitoral e incentivo às práticas de atos contra as instituições democráticas.
O militar foi flagrado em vídeo estimulando atos em frente a quartéis das Forças Armadas, questionando o resultado das urnas. Na gravação, ele chega a afirmar: “Eu tenho certeza que ele (Lula) não sobe a rampa”. O PT se diz preocupado com a escalada golpista e violenta do bolsonarismo, que já tem produzido mortes e provocado situações de grave violência.
O GSI, por meio de nota entregue à Folha de S.Paulo, disse que não é sua competência “autorizar servidores para que participem de qualquer tipo de manifestação” e que “as supostas declarações demandadas são de responsabilidade do autor em atividade pessoal fora do expediente”. O PT anunciou que vai convocar o general Augusto Heleno, chefe do GSI, a comparecer à Câmara para prestar esclarecimentos.
A bancada protocolou requerimentos na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, mas também nas comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e Constituição, Justiça e de Cidadania.
O objetivo é que o general preste esclarecimentos em cada uma delas sobre a transgressão disciplinar do militar bolsonarista lotado em seu gabinete. Militar da ativa está impedido de participar de manifestações político-partidárias. O artigo 142 da Constituição de 1988 proíbe a filiação de militares da ativa a partidos políticos. No mesmo sentido, o artigo. 45 do Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980) veda “quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.
No video e áudio obtidos pela Folha, Travassos é explícito: “Nos precisamos saber quem é quem porque a guerra civil vai rolar, mermão. Se precisar, mermão, um patriota eu vou defender. Se o meu irmão faz o L é tiro na cabeça. Não to falando isso de brincadeirinha não, gente. É sério. Quem faz o L é terrorista gente. Tem que morrer mesmo”, diz.
O bolsonarismo extremista segue em marcha acelerada ao radicalismo inconsequente. Na última semana, jornalistas do site Metrópoles flagraram os manifestantes pedindo a prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em frente ao Forte Apache, em Brasília. “Ô, Xandão, seu lugar é na prisão”, entoaram. O ministro é alvo constante de ameaças. De impeachment à prisão.
Há dias, o Metrópoles flagrou o blogueiro Oswaldo Eustáquio no acampamento localizado no Setor Militar Urbano. Ele foi preso há meses por ordem de Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito de atos antidemocráticos. No QG, o jornalista foi abordado por manifestantes e disse que Bolsonaro acompanha, cotidianamente, a movimentação em frente ao quartel, por meio das redes sociais.
“O presidente está assistindo todo dia à gente. O advogado dele, o [Frederick] Wasseff, disse que o presidente chega em casa, vai bem nervoso ligar para ver a gente, porque ele ama a gente”, disse o jornalista. Apesar do incentivo, nem tudo são flores na vida dos radicais. Na última semana, uma mensagem a Bolsonaro foi feita por um dos acampados no quartel de Brasília. “Me encontro a [sic] 30 dias parado na frente de quartéis. Cago na sarjeta, minha esposa me deixou e levou meus 2 filhos pequenos, perdi meu emprego e devo 2 mil ao meu primo”, disse uma pessoa.
Outro manifestante: “Senhor presidente estou a 23 dias na frente do quartel general na minha cidade apenas esperando pela sua ação em definitivo. Perdi meu emprego, meus familiares estão contra mim, mas não vou sair daqui porque eu amo essa Nação”.
Enquanto isso, no início da semana, viralizou a imagem do deputado Eduardo Bolsonaro, acompanhado da esposa, brindando com amigos durante uma partida de futebol na Copa do Mundo, realizada no Catar. Flagrado na esbórnia, o deputado disse que foi àquele país entregar pendrives sobre a “situação do Brasil”.
“Nesses pendrives aqui tem videos em inglês explicando a situação do Brasil”, tentou justificar o parlamentar, nas redes sociais, onde vem apanhando de bolsominions. “Eu espero que vocês não creiam que aqui só se fala em Copa do Mundo. Só para lembrar para vocês que a FIFA tem mais membros que as próprias Nações Unidas. A imprensa inteira está aqui”. •