Segundo pesquisa Datafolha, um em cada três brasileiros diz que não tem comida em casa. Em Minas Gerais, o retrato da calamidade social: criança liga para a polícia pedindo comida

A tragédia social que o Brasil vive ganhou contornos dramáticos e comoveu o Brasil na última semana. Na terça-feira, reportagem da TV Globo mostrou a ligação de uma criança de 11 anos para a Polícia Militar (PM) porque a família estava passando fome. O apelo foi feito em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte. “Ô senhor policial, aqui, é por causa que aqui em casa não tem nada para a gente comer e eu tô com fome. Minha mãe só tem farinha e fubá para comer”, disse o garoto Miguel, na ligação feita à PM pelo 190.

A polícia foi até a residência do menino e constatou a situação. “A guarnição ficou bastante comovida ouvindo os relatos das crianças. Há três dias eles estavam se alimentando apenas com água e fubá”, afirmou o tenente Nilmar Moreira. “Eu vivo de auxílio emergencial, e o pai manda R$ 250, mas não é todo mês que manda”, disse a mãe do garoto, Célia Arquimino Barros, 46 anos. Ela vive com seis filhos no bairro São Cosme. E contou que está desempregada e sobrevive com alguns bicos.

O episódio acontece oito anos depois de o Brasil ter deixado o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) e dá a dimensão do quanto o Brasil andou para trás. A situação de muitos é do abandono pelo Estado brasileiro. A responsabilidade pelo quadro de insegurança alimentar grave de 33 milhões de brasileiros é da política econômica desenhada pelo ministro Paulo Guedes e implantada com ferro e fogo pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.

Em viagem no Nordeste, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu indignado: “Não tem justificativa ter 33 milhões de pessoas passando fome em um país que é o terceiro maior produtor de alimento do mundo. O maior produtor de proteína animal, as pessoas comendo carcaça de frango ou pegando osso em açougue. Qual é a explicação que num país desses uma criança vá dormir sem tomar um copo de leite?” Lula voltou a criticar o governo e reafirmou seu compromisso para a erradicação da fome, caso venha a ser eleito no mês de outubro.

O caso do menino Miguel não é isolado. Segundo nova pesquisa do Datafolha, 33% dos brasileiros dizem que a quantidade de comida em casa nos últimos meses não foi suficiente para alimentar a família. A taxa representa uma piora no quadro. Em maio, esse índice era de 26%. Já o número daqueles que dizem ter alimentos o suficiente para a família caiu de 62% em maio para 55%, agora.

No Senado, parlamentares denunciaram com tristeza o episódio que comoveu o estado de Minas Gerais e o Brasil. “É chocante uma criança de 11 anos ligar para o 190 pedindo ajuda porque a família está passando fome. O Brasil de Bolsonaro é desumano, cruel e estarrecedor”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE).

A pesquisa do Datafolha revela que a escassez de comida afeta mais as mulheres (37%), historicamente mais vulneráveis no mercado de trabalho; famílias com renda de até dois salários mínimos (46%); aqueles que se declaram pretos (40%) e que vivem no Nordeste (42%).

A pesquisa também mostra que 17% dos entrevistados estão em famílias que, nos últimos meses, venderam algum bem ou objeto de valor para comprar alimentos e itens básicos de supermercado. O índice vai a 24% entre os mais pobres, 27% para famílias que recebem o Auxílio Brasil e 32% entre desempregados. “Os brasileiros que a muito custo conseguem sustentar um emprego, estão vendendo o almoço pra comprar a janta”, criticou o senador Rogério Carvalho (PR-SE).

O atual cenário econômico é agravado pela política errática do governo, que agravou a alta da inflação de alimentos, levou à queda na renda dos trabalhadores e aumentou a informalidade no mercado de trabalho. Tudo isso levou 33 milhões de pessoas a passar fome no país, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, divulgado em junho pela Rede Penssan.

Segundo a ONU, 61,3 milhões de brasileiros (cerca de 3 em cada 10 habitantes) conviviam com algum tipo de insegurança alimentar, e 15,4 milhões passavam fome no período entre 2019 e 2021, durante o governo Bolsonaro.

Nem a elevação do Auxílio Brasil para R$ 600 parece suficiente para reverter o trágico social que o país vive. Pelo contrário. Conforme reportagem publicada na segunda, 1º, o Datafolha mostra que 56% dos eleitores afirmam que o valor máximo de R$ 600 para o auxílio é insuficiente. Entre os que recebem o benefício, 54% consideram o valor insuficiente, 38% avaliam como suficiente e 8% afirmam ser mais do que suficiente. •

`