Bloomberg alerta para riscos

Em editorial, a agência de notícias cobra das grandes nações “apoio claro e inequívoco às forças democráticas no Brasil” para limitar os danos “e garantir que a vontade do povo prevaleça”

 

Bloomberg | Editorial

 

Em quase quatro anos no cargo, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro fez pouco para incutir fé em seu compromisso com a democracia. Ele alegou que somente Deus poderia removê-lo do cargo, ameaça os freios e contrapesos e questionou repetidamente o bem estabelecido sistema de votação eletrônica do Brasil. 

Recentemente, ele levou suas alegações infundadas para além das fronteiras do país, chamando embaixadores estrangeiros para uma apresentação que refazia conspirações desmascaradas sobre o processo eleitoral e repreendia juízes da Suprema Corte.

Ainda não se sabe se tal fanfarronice se traduz em um esforço conjunto para rejeitar um resultado desfavorável na eleição presidencial de outubro. Mas a mera possibilidade de uma crise eleitoral no maior país da América Latina é algo que os outros líderes do Brasil – com a ajuda do mundo democrático – devem agir agora.

Bolsonaro negou qualquer desejo de golpe. A tentativa de se manter no poder certamente será mais difícil se o titular, que hoje está atrás nas pesquisas do candidato de esquerda e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sofrer uma derrota retumbante. 

Mas há uma série de resultados menos extremos que ainda seriam devastadores. Surtos de violência podem levar à intervenção militar, e uma divisão nas forças de segurança mais amplas não é inconcebível, dado o apoio mais entusiástico da polícia militar. Qualquer movimento para rejeitar ou desacreditar os resultados exacerbaria a desconfiança dos brasileiros nas instituições governamentais, em um momento em que o descontentamento com os frutos da democracia já está em alta. O país corre o risco de paralisia.

O trabalho de garantir eleições livres e justas deve ser liderado por brasileiros — não apenas líderes políticos, mas também tecnocratas, o Judiciário, a sociedade civil e a mídia. Os esforços das autoridades eleitorais, acadêmicos e verificadores de fatos para combater a disseminação de desinformação nas mídias sociais, principalmente o WhatsApp, têm sido encorajadores. Mas essas forças precisam de ajuda. 

Nos próximos meses, os EUA devem reiterar sua confiança nas instituições democráticas e nas autoridades eleitorais brasileiras, por meio de visitas públicas de altos funcionários do governo Biden e delegações parlamentares bipartidárias. Washington deve trabalhar com os vizinhos do Brasil e outros governos democráticos para apoiar os observadores eleitorais internacionais. Eles devem financiar intercâmbios para especialistas técnicos e de segurança cibernética para reforçar o sistema de votação do Brasil.

Os líderes corporativos também podem usar sua influência. Embora muitos executivos estejam relutantes em entrar na política interna do Brasil, alguns financistas já assinaram uma carta aberta em defesa da democracia. Mais coalizões empresariais e grupos de lobby podem deixar claro os danos econômicos duradouros que seriam causados por violações das regras democráticas básicas. A manifestação seria do interesse não apenas dos brasileiros, mas também das próprias empresas, que nada têm a ganhar com o desmoronamento da quarta maior democracia do mundo.

Nos últimos anos, a credibilidade das potências democráticas do mundo – e dos EUA em particular – sem dúvida sofreu entre os cidadãos da América Latina, em parte devido ao fraco envolvimento diplomático na região. Fornecer apoio claro e inequívoco às forças democráticas no Brasil hoje ajudaria a limitar os danos e garantir que a vontade do povo prevaleça. •

Publicado originalmente na Bloomberg em 27 de Julho de 2022.