Um dos mais importantes correspondentes estrageiros atuando ao longo dos últimos anos no Brasil, Vincent Bevins acompanhou a ascensão dos governos Lula e Dilma e o golpe imposto em 2016 contra a primeira mulher eleita presidenta do Brasil. Ele atuou como repórter do Financial Times, do Washington Post e do Los Angeles Times.

Para o veterano jornalista, os Estados Unidos não estão dispostos a financiar uma nova aventura presidencial de Jair Bolsonaro. A identificação com Donald Trump o afasta de Joe Biden e a incompetência criou animosidade com o capital. “Não foi exatamente o extremismo ideológico que o fez perder apoio”, diz o autor do livro “O Método Jacarta” (editora Autonomia Literária).

Traduzido para 13 línguas, o livro narra como o anticomunismo tem sido evocado para sufocar projetos de soberania nacional fora da esfera de poder estadunidense. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida:

 

Focus Brasil — Como você interpreta a posição diplomática dos Estados Unidos, seguida depois pela Inglaterra, de defesa do sistema eleitoral brasileiro?

Vincent Bevins — Para efetivamente estabelecer um governo, além das urnas, é preciso também de apoio de outros centros de poder institucional, como as Forças Armadas, a mídia, o capital nacional e internacional. Os Estados Unidos também são um centro de poder importante. O que temos visto nos últimos dias é que todos esses centros de poder não parecem dispostos a apoiar um golpe para reproduzir um governo bolsonarista. Isso mostra a fraqueza do projeto dele, Bolsonaro.

 

— Se ele tivesse ido bem na condução da economia, você acha que teria esse apoio?

— Há muitas outras coisas a considerar. Mas durante a pandemia, Bolsonaro perdeu muito apoio nas parcelas urbanas. Por causa do jeito que gerenciou, ou não gerenciou, uma política pública contra a pandemia. Uma coisa que eu costumo dizer para os gringos nos Estados Unidos é que não foi exatamente o extremismo ideológico do Bolsonaro, o extremismo retórico dele, que o fez perder apoio do capital nacional. Mas a incompetência para gerenciar uma economia do tamanho da do Brasil. Uma elite econômica inteligente sabe que é preciso competência. Não basta um choque neoliberal, que eles queriam, mas precisa de administração.

 

— Há algo, sob a superfície desse posicionamento dos Estados Unidos, a que a gente deva ficar atento?

— Não sei. O que eu sei é que essa identificação do Bolsonaro com uma política trumpista entrou no radar da política externa dos Estados Unidos. Isso é muito importante para o Partido Democrata. Faz sentido para os democratas, na política interna, não tomar partido do Bolsonaro, porque ele se aliou de maneira explícita ao projeto do Donald Trump.

— O seu livro trata da retórica anticomunista, vez ou outra retomada com força. Houve momentos nos governos Lula e Dilma que deram força a essa retórica e foram apropriados pelos Estados Unidos?

— Acho que a ideia do anticomunismo ficou muito forte depois da queda da Dilma. Mas o que eu acho interessante é pensar em qual momento o posicionamento dos Estados Unidos muda durante o governo Dilma. Se os temas do petróleo e alianças Sul-Sul foram, de novo, essenciais para isso. Eu creio que sim. O que se sabe é que o capital internacional nunca gostou da ideia da criação da Petrobrás, desde o início. E o regime de partilha do pré-sal também não agradou. O anticomunismo muitas vezes foi o nome dado às cruzadas contra a integração Sul-Sul. O anticomunismo fez o bolsonarismo entrar no debate político dos Estados Unidos, e é bom para o Biden estar contra. Mas os republicanos podem voltar daqui a dois anos e retomar a identificação com um projeto anticomunista, antipetista.

 

— Já é possível identificar como está a opinião pública americana em relação à chegada ao poder de governos populares, como no Chile, no Equador, na Colômbia?

— A realidade nos Estados Unidos, que pode ser libertadora para a esquerda, mas pode ser também muito perigosa, é que nós estamos em declínio rápido, estamos muito preocupados com o futuro do nosso próprio país. A atenção está muito voltada para dentro, para salvar a república, e isso pode ser bom para a América Latina. Mas lembro que impérios em declínio, ao longo da história, reagem mal a essa condição, aceitam mal essa nova realidade.

 

— Essa sensação de declínio é muito forte entre os americanos?

— Sim. Em quase toda a sua história, os Estados Unidos estiveram em ascensão. O imaginário americano é muito tomado pela ideia de potência, de império. Pelo pressuposto de subida rápida e permanente. E nos últimos 20 anos, a minha geração descobriu que isso não é possível. Essa sensação de não poder ter um futuro melhor do que o que os nossos pais tinham é muito forte. Quando eu visito os Estados Unidos, sinto isso no ar. Há quem defenda o fim da democracia. Que diz que vai haver guerra civil. Isso não existia há 15 anos.

 

— Na semana passada, um conselheiro de segurança do Reino Unido falou em risco de uma guerra nuclear. Você acha que o anticomunismo abre um novo capítulo?

— Sim, está de volta. Quando eu comecei a escrever o livro, em 2017, não imaginava que o tema voltaria a ser tão relevante. E o bolsonarismo é um exemplo, talvez o melhor do mundo, da volta do anticomunismo violento e fanático. Essa retórica anticomunista funciona para uma parte da elite defender seus privilégios. •

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