Um falcão cínico
Ex-assessor de Donald Trump admitiu à CNN que ajudou a planejar golpes de Estado contra outras nações, inclusive a Venezuela. Mas negou que o ex-chefe tenha ameaçado democracia dos EUA
A política internacional dos Estados Unidos nunca foi tão cínica. Para tentar livrar Donald Trump das acusações de ter tramado um golpe contra a democracia americana e suas instituições, o ex-assessor de segurança nacional da Casa Branca John Bolton acabou falando demais. Em entrevista ao jornalista Jake Tapper, que apresenta o programa ‘The Lead’, na CNN, Bolton afirmou ter experiência em orquestrar golpes de Estado, em outras nações, e disse haver uma diferença entre o que se passou em solo americano e o que ocorreu na Venezuela.
Tapper argumentava que “não é preciso ser brilhante para tentar um golpe”, o que motivou a resposta de Bolton sobre ter experiência com o tema. “Como alguém que ajudou a planejar golpes de Estado — não aqui, mas, você sabe, em outros lugares — é preciso muito trabalho, e não foi isso que (Trump) fez”, disse.
O ex-braço direito de Trump disse que é um “erro” acreditar que o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio foi parte de um “golpe de Estado cuidadosamente planejado” por Trump. “Não é assim que Donald Trump faz as coisas”, disse. “É uma divagação de um lado, uma ideia vaga do outro, um plano que cai e outro surge – era isso que ele estava fazendo”. Segundo Bolton, o episódio do Capitólio foi apenas mais um exemplo de “Donald Trump cuidando dos interesses de Donald Trump”. “É algo que ocorre uma vez na vida”, disse.
Bolton foi questionado se o ex-presidente era capaz de ouvir “não” de seus conselheiros — já que havia sido alertado que era ilegal tentar reverter a eleição. O ex-assessor de segurança da Casa Branca respondeu que Trump “não ouve ninguém”. Depois de afirmar que as alegações do ex-presidente de que era vítima de fraude eleitoral eram indefensáveis, Bolton disse que era errado achar que o episódio havia sido planejado.
O Washington Post se surpreendeu com a franqueza do ex-assessor da Casa Branca. “Os comentários de Bolton são incomuns, já que as autoridades dos Estados Unidos geralmente evitam usar o termo ‘golpe’ ao falar sobre assuntos de política externa. As observações se tornaram virais, com um corte no Twitter que tinha mais de 2 milhões de visualizações no início desta quarta-feira, 13”, apontou o repórter Julian Mark.
Durante a entrevista, Tapper retomou o assunto e pressionou Bolton a elaborar sobre sua “experiência em golpes planejados”, perguntando se eles eram “golpes bem-sucedidos”. Bolton disse, em meio a risos, que não entraria em detalhes, mas respondeu que em seu livro de memórias de 2020 ele escreveu sobre o apoio dos EUA a uma tentativa malsucedida de derrubar o presidente Nicolás Maduro em 2019.
“Não que tivéssemos muito a ver com isso”, disse Bolton, “mas eu vi o que era preciso para uma oposição tentar derrubar um presidente eleito ilegalmente, e eles falharam”. As declarações de terça-feira foram um desvio das declarações anteriores de Bolton sobre a Venezuela. “Isso claramente não é um golpe”, disse em 2019.
Bolton atuou como conselheiro de segurança nacional de Trump por 17 meses antes de um rompimento turbulento em 2019. Antes disso, ele ocupou um papel importante no controle de armas durante o governo de George W. Bush e atuou como embaixador nas Nações Unidas em 2005 e 2006. Ele é tido pela imprensa como um dos mais ferozes falcões do Partido Republicano. •