– Você classifica, a partir do título, os textos publicados como crônicas. No entanto, lidas em conjunto, ainda que elas conservem o calor do registro cronológico e de uma certa rapidez do comentário em revista semanal ou do blog, no final elas lembram o ensaio. Em que medida isso foi proposital, no sentido de um projeto que norteou a sua reflexão? Ou isso se deu mais pela necessidade de pensar esse período a partir desses “sintomas”?

— Decidimos, o Paulo Werneck e eu, chamar de crônicas mesmo por conta desse vínculo temporal, de mostrar os textos datados para que se percebesse a progressão da barbárie e, também, da perplexidade/raiva do colunista… Mas tem, sim, uma pretensão ensaística, espero que no melhor sentido do termo. Procurei sempre casar o calor dos fatos com leituras menos imediatistas, me levando a autores contemporâneos com o Jason Stanley e ao velho e bom Adorno — e também o Sartre não como filósofo ou escritor, mas intelectual público. Acho que os sintomas foram se apresentando quase que didaticamente. O desgoverno é, num certo sentido, muito transparente.

 

– Você diria que, de alguma forma, a internet remoldou a forma como profissionais da escrita, sobretudo no jornalismo e no colunismo/cadernos culturais, escrevem? Se sim, há ganhos mais do que perdas ou ao contrário?

— Acho que mudou sim, com uma ambiguidade. É bom que a gente possa escrever em cima do lance, a quente, e também é ruim que a gente fique sempre tentado a reagir rapidamente a coisas que necessitam um tempo e uma distância de reflexão. Mas são essas as regras do jogo hoje e, estando nele, é preciso encarar. De preferência tentando ser crítico.

 

– O ritmo das crônicas assume um tom ainda mais crítico a partir de “O Fascista da Esquina”, texto de 17 de junho de 2020, como se aquela raiva e mesmo o sarcasmo contra o processo de imbecilização dos apoiadores de Bolsonaro ou de cegueira dos isentões chegasse num ponto do não-retorno, do insuportável. Como o mundo das ideias e da cultura pode contribuir mais e melhor como antídoto ao fascismo?

— Sim, acho que daquele momento pra frente é ladeira abaixo mesmo. Acho que a contribuição fundamental é manter a dureza do jogo, jamais naturalizar qualquer aspecto desses delinquentes. E é o mais difícil, pois parte significativa de comentaristas jogam na naturalização, não chamam as coisas pelo nome. Hoje eu ouvi na TV que o Bolsonaro tem posições “polêmicas” sobre os indígenas. Não é polêmica, é uma intenção assassina! É muito cansativo reiterar a todo momento isso, mas é o único jeito, é o que está ao nosso alcance. •

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