Lembra do esquema no MEC? Bolsonaro está sob suspeita
Áudio do ex-ministro Milton Ribeiro, preso por determinação da Justiça Federal e solto depois por decisão do STJ, aponta indício de interferência do presidente da República. A suspeita é do MPF
A casa caiu no Ministério da Educação. As suspeitas do envolvimento do ex-ministro Milton Ribeiro em esquema de corrupção no MEC, envolvendo ainda dois pastores evangélicos próximos do presidente Jair Bolsonaro, levaram a Polícia Federal a decretar a prisão do ex-colaborado do governo, de um ex-assessor da pasta e dos pastores.
O escândalo que originou a Operação Acesso Pago, da Polícia Federal, e levou Milton Ribeiro e outros quatro lobistas à prisão, acusados de atuar como atravessadores de recursos públicos inclui tráfico de influência, pedidos de propina a prefeitos em troca de liberação de recursos do FNDE.
Além disso, o caso atinge pessoalmente Bolsonaro, que chegou a impor sigilo de 100 anos às visitas dos pastores lobistas Gilmar Santos e Arílton Moura ao Palácio do Planalto. Após pressão de aliados e por temer uma determinação judicial desfavorável, o governo informou que os lobistas estiveram 46 vezes no gabinete presidencial.
Ribeiro foi preso na quarta-feira, 22, por decisão da Justiça Federal, mas acabou solto no dia seguinte por decisão do juiz Ney Bello, do Tribunal Regional Federal (TRF1). O que já era ruim para o governo virou uma bomba na sexta-feira, 24. A suspeita agora paira sobre a cabeça do próprio presidente da República.
O Ministério Público Federal afirma haver suspeitas de interferência de Bolsonaro nas investigações referentes ao ex-ministro na operação da PF. É o que diz uma o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, que pede o envio de parte das investigações ao Supremo Tribunal Federal.
Em grampo interceptado pela PF, Milton Ribeiro diz à filha que recebeu ligação de Bolsonaro: “Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa”. A conversa foi captada no dia 9 de junho. “Hoje o presidente me ligou… Ele tá com um pressentimento novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe?”, conta. A filha de Milton Ribeiro, identificada pela PF como Juliana Pinheiro Ribeiro de Azevedo, chega a perguntar se Bolsonaro pediu ao pai para parar de mandar mensagens. “Eu não sei se ele (Bolsonaro) tem alguma informação. Eu estou ligando do meu celular normal, viu pai?”, diz.
Segundo o procurador, o áudio de Milton Ribeiro coloca Bolsonaro sob a suspeita de estar interferindo no caso. “O MPF vem requerer que o auto circunstanciado nº 2/2022, bem como o arquivo de áudio do investigado Milton Ribeiro que aponta indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações, sejam desentranhados dos autos e remetidos, de maneira apartada e sigilosa, ao Supremo Tribunal Federal”, diz o documento.
Lopes reitera para que fique registrado que há indícios de interferência na atividade investigatória da Polícia Federal após a prisão de Ribeiro: “Quando do tratamento possivelmente privilegiado que recebeu o investigado Milton Ribeiro, o qual não foi conduzido ao Distrito Federal (não havendo sido tampouco levado a qualquer unidade penitenciária) para que pudesse ser pessoalmente interrogado pela autoridade policial que preside o inquérito policial, apesar da farta estrutura disponível à Polícia Federal para a locomoção de presos”.
Em resposta a Lopes, o juiz federal Renato Coelho Borelli, que determinou a prisão do ex-ministro, enviou a investigação ao STF e cita áudios em que Milton Ribeiro supostamente indicaria uma interferência de uma autoridade com foro no STF, como o presidente da República.
Em Brasília, o caso ameaça colocar o governo de novo no olho do furacão. No Senado Federal, a oposição já conseguiu as assinaturas necessárias para a instalação de uma CPI. O pedido, assinado por toda a bancada do PT no Senado, pode chegar a 30 assinaturas, três a mais que o mínimo necessário. O objetivo é investigar o elo entre os escândalos protagonizados pelo ex-ministro e o alto escalão do governo, incluindo Bolsonaro.
A instalação de uma CPI para investigar os escândalos de corrupção no Ministério da Educação deve ser confirmada apenas na próxima semana, mas de uma coisa já se tem certeza. O governo instalou um esquema de tráfico de influência, desvio de verbas, acerto de propinas e favorecimento a aliados políticos.
O senador Humberto Costa (PT-PE) lamentou que o MEC tenha se tornado um balcão de negócios na mão de bolsonaristas. “O MEC, que foi responsável por programas inclusivos como Fies sem fiador, Ciência sem Fronteiras e tantos mais, transformou-se agora no palco de um dos maiores escândalos da República, usando recursos que têm um papel nobre, que é o de desenvolver a educação”, afirmou.
Para ele, a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro e mais quatro lobistas que, sem ocupar cargos no governo, operavam um “gabinete paralelo” para dar vida ao esquema corrupto dentro dos gabinetes do alto escalão — inclusive o dw Bolsonaro —, reforça a obrigação do Congresso Nacional de fazer essa investigação.
“É provável que já existam muitos avanços na apuração? Sim. Mas a CPI cumpre o papel de estabelecer os elos políticos dessa relação. O próprio ex-ministro disse [em áudio de reunião publicado em fevereiro] que tudo o que ele realizava era a pedido de Bolsonaro e que inclusive a atuação desses lobistas teria sido uma recomendação do presidente da República”, destacou.
Na época das denúncias, Bolsonaro foi a público dizer que colocava “a cara no fogo” pelo então ministro, que só deixou o governo algum tempo depois, quando até apoiadores do governo pressionaram pela sua saída. Mesmo assim, a exoneração do cargo ocorreu a pedido do ministro. Ou seja, Milton Ribeiro jamais foi demitido.
O requerimento para a CPI já tem as 27 assinaturas necessárias para ser lido em plenário, de acordo com o autor do pedido, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Para garantir uma margem maior ao pedido, Randolfe informou que irá aguardar a assinatura de mais três senadores que já se disseram propensos a apoiar, chegando assim a 30 nomes. A expectativa é de que o requerimento seja apresentado nesta terça-feira, 28. •