“O Terceiro Excluído”, livro do professor e candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, é lançado

 

 

Na segunda-feira, 12, em São Paulo, uma noite excepcionalmente fria e úmida, a Livraria Martins Fontes, situada numa galeria na Avenida Paulista, recebia, de forma discreta, o médico e candidato a vice-presidente da República Geraldo Alckmin, a professora-titular de Odontologia da USP Ana Estela Haddad, o neurocientista Sidarta Ribeiro e a desembargadora aposentada Kenarik Boujikian.

A fila que se formou e ocupava quase toda a extensão do piso térreo da livraria, uma das maiores de rua que ainda restam em São Paulo, não era formada apenas por personalidades. Havia estudantes, professores e eleitores, que foram ali para entender o que, afinal, é “O Terceiro Excluído”, o título enigmático e provocante do quinto livro de Fernando Haddad.

Num volume de menos de 300 páginas, o cientista político e ex-prefeito de São Paulo se lança numa aventura intelectual curiosa para um acadêmico cuja carreira sempre transitou pelo direito, economia, filosofia, história e sociologia. Desta feita, ele enfrenta uma vasta bibliografia das ciências biológicas, da antropologia e da linguística para tentar chegar  a uma síntese da história humana que ajude a retraçar nossos horizontes utópicos.

Parece — e é — complicado, mas também soa necessário. Obra concebida com Lula preso em Curitiba e gestada na pandemia, ela parte de perguntas angustiantes diante daquilo que estávamos vivenciando: a ruptura de um processo democrático, com ameaças graves no horizonte, a emergência de uma nova direita completamente irracional e, coroando tudo isso, uma espécie de guerra biológica intra-espécies sem precedentes a partir de março de 2020, na qual confrontaram-se vírus e homo sapiens.

As leituras e pesquisas, que o autor relata que sobretudo partiram de duas conversas com intelectuais como o linguista norte-americano Noam Chomski e o historiador brasileiro Luiz Felipe de Alencastro, começaram em 2019 depois da derrota de Haddad para Jair Messias Bolsonaro.

“(…) Não foram os ataques, as mentiras e as acusações que sofri por parte de grupos bolsonaristas que me chamaram a atenção. Era a sem-cerimônia com que o candidato rival – que desde os primeiros meses da campanha sintomaticamente se negou ao debate – falava de coisas inimagináveis: o elogio da ditadura, da tortura e do assassinato de pessoas (…). Diante da barbárie, é espantoso como pessoas com discernimento optaram pela omissão – quando não pela conivência com ela”.

Situado entre o ensaio e a ciência e dividido em três grandes capítulos, que correspondem às áreas principais dessa minuciosa pesquisa bibliográfica, ou seja, a biologia, a antropologia e a linguística, o livro também percorre questões e teses que animam o percurso intelectual de Haddad desde sempre como a relação com a história do Brasil, como o patrimonialismo a partir da contribuição de Raymundo Faoro e o pensamento marxista brasileiro — não à toa, o livro é dedicado a Roberto Schwarz.

Ou seja, apesar de abordar disciplinas ausentes de sua formação e atualizar o que há de ponta nessas áreas (e, nesse sentido, “O Terceiro Excluído” é um excelente guia de leituras), o livro também contempla as preocupações de sempre de Haddad, cuja militância no Partido dos Trabalhadores a partir de 1985 e seu envolvimento com administrações petistas não deixa dúvida de quais são: como e por que somo tão desiguais e arrastamos entulhos históricos como o racismo? E o que e como fazer retomar uma marcha de desenvolvimento & estabilidade democrática e, sim, a expressão livre das potencialidades do Brasil?

São questões coletivas e geracionais de quem nasceu nos anos 1960 e foi para a universidade durante a redemocratização, mas que parecem nortear, de fato, este autor, político e sempre professor tanto em seu percurso acadêmico como em sua atuação política. A ideia de emancipação, tão em voga no século 19 e nos escritos dos primeiros socialistas, volta na formulação sobre o objetivo da obra: “(…) é simplesmente apresentar à discussão novas bases teóricas da emancipação humana, sem as quais aquilo que se entende por horizonte utópico não vai ocupar a imaginação progressista”.

Se a leitura, por vezes, emperra por excesso de rigor e um raciocínio que, por vezes não se apresenta com a clareza necessária, é preciso dizer também que isso revela-se pela quantidade de informação, de ideias (dentro e fora do lugar, como diria o Schwarz) e de um esforço genuíno de abrir uma perspectiva para, quem sabe, sairmos do buraco. O terceiro excluído? Ah, é uma figura da lógica formal e se eu contar quem ou o que é além disso perde a graça. •

 

O terceiro excluído — Contribuição para uma antropologia dialética

Fernando Haddad

Editora Zahar, 288 páginas

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