Torturada e presa por três anos na juventude, a ex-presidenta queria indenização por ter sido vítima da ditadura. Ministério ignorou o pedido de reparação

 

Em mais um golpe contra as vítimas da ditadura militar, que matou e torturou em um período de tempo prolongado entre 1968 e 1974 — o chamado anos de chumbo do regime — o governo Bolsonaro negou pedido de anistia da ex-presidente Dilma Rousseff. A petista pediu indenização por ter sido perseguida, presa e torturada durante a ditadura militar (1964-1985).

A decisão segue parecer da Comissão de Anistia do governo, divulgado em 28 de abril. Dilma pedia indenização de R$ 10.700 mensais, além da contagem do tempo do período em que foi presa, em 1970, até a promulgação da Lei da Anistia, nove anos depois, para efeitos de aposentadoria. A ex-guerrilheira ficou presa durante três anos.

A comissão entendeu que a solicitação da ex-presidente não podia ser analisada, já que sua anistia foi reconhecida pelo governo do Rio Grande do Sul. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro (PL) comemorou a decisão.

“Essas pensões quando são concedidas não têm imposto de renda […] Uma maravilha. Dilma Rousseff: perdeu. Quem sabe lá na frente quando algum esquerdista voltar ao poder, espero que não aconteça, você consiga mais uma pensão para você”, disse. A ex-ministra Damares Alves também reagiu à negativa da comissão: “Parabéns por trabalharem pautados na lei”, afirmou.

O requerimento foi protocolado em outubro de 2002. Dilma pediu que o processo fosse suspenso enquanto ocupava os cargos de ministra de Estado e de presidente da República. Após o impeachment, em 2016, ela recorreu pelo retorno da tramitação.

A Comissão de Anistia foi criada em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e era então vinculada ao Ministério da Justiça. Desde 2019, a comissão é vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O órgão tem caráter consultivo. As decisões sobre a concessão ou não de benefícios cabem ao ministério.

Desde 2019, a comissão mudou de perfil sob o comando de Damares Alves e endureceu os critérios para a concessão de benefício. No primeiro ano do governo Bolsonaro, por exemplo, a comissão indeferiu 85% dos 2.717 pedidos de indenização, reconhecendo apenas 388 deles.

Em 2011, o jornal Estado de Minas revelou em detalhes o depoimento de Dilma Rousseff relatando a tortura a que foi submetida nos porões da ditadura em Juiz de Fora, São Paulo e no Rio de Janeiro. Ela contou Dilma todo o sofrimento vivido em Minas na pele da militante política de codinomes Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza e Ana.

“Algumas características da tortura. No início, não tinha rotina. Não se distinguia se era dia ou noite. Geralmente, o básico era o choque”, contou Dilma, em depoimento dado em 25 de outubro de 2001, quando ela ainda era secretária das Minas e Energia no Rio Grande do Sul, filiada ao PDT. O depoimento foi prestado perante para a Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (Ceivt) do Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais.

O relato dela é revelador sobre os métodos do regime militar para dobrar os dissidentes políticos. “Se o interrogatório é de longa duração, com interrogador experiente, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina. Muitas vezes usava palmatória; usaram em mim muita palmatória. Em São Paulo, usaram pouco este ‘método’”, contou. •

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