Do povo ao presidente

Livro com seleção de cartas de brasileiros a Lula é lançado em São Paulo, no Teatro Tuca, com a presença de alguns dos autores das mensagens, além de artistas e políticos

 

 

Numa conta apressada, Lula recebeu em média 43 cartas por cada um dos dias que ficou preso em Curitiba. Foram 25 mil cartas em 580 dias. Desse total, os organizadores de “Querido Lula: Cartas para um presidente na prisão” selecionaram 46, publicadas em edição meticulosa e bem-cuidada. O livro foi lançado em São Paulo, no Teatro Tuca, em uma espécie de sarau que reuniu autores das cartas, artistas e personalidades do PT e teve a presença de Lula, Dilma Rousseff e Fernando Haddad.

Desde que se fez silêncio no teatro e a atriz Denise Fraga, âncora e leitora, abriu o evento, sabia-se que aquela não seria uma noite ordinária. A historiadora e socióloga Maud Chirio, organizadora de uma equipe multidisciplinar de pesquisadores, explicou o processo: “Não há, até onde sabemos, nenhum movimento equivalente na história, ao menos na mesma escala. (…) milhares de pessoas anônimas, tomaram a iniciativa de oferecer seu apoio, mas também quase sempre um pedaço de sua história de vida, a um estadista à época privado de tudo — do poder, do direito de se manifestar e da liberdade”.

Entre os rostos bem conhecidos, destacaram-se “as pessoas anônimas”, alguns dos missivistas que leram trechos de seus escritos. Os relatos de fome, de privações de moradia, saúde e educação quando lidas pelos próprios remetentes ganhavam carga  emotiva grande. Caso do professor de história Lucas. Ele contou a história de sua infância pobre em detalhes, levando gente da plateia e do palco às lágrimas: “Minha mãe nunca se sentava à mesa com a gente e só comia o que tivesse sobrado. Nunca reclamava da vida e ainda conseguia ser amável com todos. Associo seu cárcere político a essa ausência de minha mãe à mesa”.

Em outra passagem, a psiquiatra Fátima arrancou risadas ao ler o trecho final de sua carta na qual transparece, ao mesmo tempo, o apoio coletivo, uma convocação à resistência e uma bronca bem-humorada: “Do mesmo jeito que somos Lulas aos milhões, estamos, milhões, dentro desse lugar onde aprisionaram seu corpo. Resistamos. Fique forte. Não fique triste. Não adoeça, é uma ordem!! E peço aos céus que nos deixe adoecer no teu lugar, se for o caso. Preste atenção, menino: você não tem direito de ter uma gripe”.

Entremeados às releituras em primeira pessoa, também não foi sem emoção que  rostos conhecidos das artes cênicas — como Camila Pitanga, Cleo Pires, Celso Frateschi, Grace Passô, Erika Hilton, Deborah Duboc, Leandro Santos e Camila Pitanga — da música — Zélia Duncan, Cida Moreira e Tulipa Ruiz — e do ativismo político, como Preta Ferreira, do MTST, e da vereadora Érika Hilton (Psol) leram trechos. Às vezes, excertos muito sucintos e diretos, às vezes com minúcias e detalhes, mas todos traçados com afeto e de solidariedade ao líder político preso injustamente.

Como assinala Chirio, no prefácio ao livro, o conjunto de cartas revelou uma diversidade enorme dos vários Brasis que eram “milhões de Lulas” e um ímpeto coletivo de ajudar, confortar e como que acompanhar, estar junto do isolamento e da  ausência do presidente Lula da vida política do país. Muitos dos textos, no conjunto daqueles selecionados para o livro, falam de um presente duro, mas de um passado comum de maior alegria e luta, bem como de esperança da liberdade e da perspectiva de retomar o combate às desigualdades e a ampliação de direitos.

A leitura dramática acabou por fazer uma espécie de ato de desagravo aos 580 dias de cárcere e de toda a perseguição jurídica e política. Ao final, Lula tomou a palavra para agradecer as cartas e homenagear a mobilização do acampamento Lula Livre, que todos os dias se reunia em horários fixos para lhe desejar, em coro, “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”. “Me prenderam achando que a gente ia ficar mais fraco e a verdade é que vocês fizeram eu sair da cadeia muito mais forte do que eu entrei. Eles achavam que iam nos tirar, que iam banir o PT”, disse.

Do povo ao presidente

Falando sobre sua candidatura, engatou um discurso forte: “Parece que o povo finalmente tomou consciência de que temos de derrotar o fascismo e restabelecer a democracia nesse país. Estou mais consciente, mais maduro, consciente de que é possível fazer mais do que eu fiz, estou mais esperto do que eu era.”

“Acho que se a gente voltar, a gente vai fazer muito mais. Colocar mais jovens pra estudar, por exemplo, não é opção, é necessidade desse país. Nenhum país conseguiu ser soberano sem investir na educação. Ignorância não gera estadista, gera um Bolsonaro.  Volto a disputar uma eleição porque minha indignação é maior que 20 anos atrás. Temos obrigação de ficar indignados quando vemos mulheres, crianças, dormindo ao relento. Não podemos encarar isso como normal”, ressaltou.

Encerrando, Lula animou a militância com esperança: “Um país que tem um povo com sentimento de solidariedade de vocês, a gente não pode ter medo de nada. Vamos juntos derrotar o fascismo e recuperar a democracia”. •

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