Uma das primeiras escritoras brasileiras a abordar a sexualidade feminina a partir de uma perspectiva feminina, a escritora morre aos 103 anos, tendo escrito quatro romances e dezenas de contos

 

A escritora Lygia Fagundes Telles, uma das maiores estrelas da literatura brasileira, cujas histórias de mulheres presas em relacionamentos insatisfatórios também podiam ser lidas como alegorias da situação política do país, morreu no domingo em sua casa em São Paulo. Ela tinha 103 anos.

Em nota, a diretoria da Fundação Perseu Abramo lamentou profundamente a passagem da romancista, considera uma das mais destacadas escritoras do país. “A obra de Lygia apresenta um universo marcadamente feminino”, diz a nota. “Comprometida em documentar a difícil condição de vida de uma sociedade frágil nos centros urbanos, ela escreveu sobre a história trágica do país, como se lê em ‘As Meninas’, cujo pano de fundo é a ditadura militar no Brasil”.

Lygia foi uma das raras escritoras cuja obra atraiu tanto intelectuais quanto o público em geral. Formada como advogada, uma das seis mulheres em sua turma de mais de 100 alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ela tinha consciência de que era uma pioneira.

Apesar de seu sucesso literário, ela continuou trabalhando como advogada no serviço público durante grande parte de sua carreira. Em um livro de memórias de 1980, “A Disciplina do Amor”, Lygia lembrou que um dos primeiros críticos achou que suas histórias sofriam apenas pela falta de um “autor barbudo”.

“Fiquei super feliz. Escrever um texto que merecesse sair da caneta de um homem, foi a melhor coisa para uma garota de gorro em 1944”, apontou. “Trabalhei, estudei e escolhi duas vocações claramente masculinas: eu era uma feminista inconsciente, mas era uma feminista”.

Na década de 1970, suas histórias criticavam indiretamente o regime militar do Brasil, que esteve no poder de 1964 a 1985. Seu conto “Seminário de Ratos” (1977), que imagina ratos e humanos trocando de lugar, era uma alegoria do Brasil sob a ditadura.

Seu romance mais famoso, “A menina da foto” (1973), conta a história de três jovens totalmente diferentes durante os anos mais repressivos do regime militar. Lygia inclui descrições gráficas da tortura oficialmente sancionada pelo regime, um assunto que parecia certo para assegurar sua proibição pela censura. Mas, por uma reviravolta do destino, o censor aparentemente achou o livro tão chato que desistiu de ler antes de chegar a essa parte.

Em 1977, a Sra. Telles liderou uma delegação para apresentar ao ministro da Justiça do país um manifesto assinado por 1.000 importantes intelectuais brasileiros que pedia ao governo que afrouxasse as restrições à liberdade de expressão. 

Lygia nasceu em São Paulo em 19 de abril de 1923, filha de Durval de Azevedo Fagundes, advogado, e Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, pianista forçada pelo casamento a abandonar suas ambições. Ela se casou com o professor de direito Goffredo Telles Jr., em 1947. Divorciou-se em 1960 e casou-se com Paulo Emilio Sales Gomes, crítico de cinema, em 1963.

Os quatro romances e dezenas de contos de Telles lhe renderam diversos prêmios literários brasileiros. Em 1985, tornou-se a terceira mulher eleita para um assento na Academia Brasileira de Letras. Ganhou o Prêmio Camões, patrocinado pelos governos de Portugal e Brasil, em 2005 e foi indicada ao Prêmio Nobel de Literatura em 2016. •

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