TCU comete um erro ao autorizar que o governo Bolsonaro venda o controle da estatal de energia elétrica, considerada estratégica para o desenvolvimento nacional. Lula chama o presidente da República e seus ministros de “vendilhões da Pátria”

 

Na mais temerária jogada entreguista do governo, o Tribunal de Contas da União (TCU) atendeu aos interesses do Palácio do Planalto na última terça-feira, 15, e aprovou, por 6 votos contra 1, a primeira fase da privatização da Eletrobrás. A decisão representa uma ameaça direta à soberania nacional, permitindo que o principal instrumento de política de energia do governo seja colocada em mãos privadas.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou a decisão. “Eu espero que os empresários sérios que querem investir no setor elétrico brasileiro não embarquem nesse arranjo esquisito que os vendilhões da pátria do governo atual estão preparando para a Eletrobrás, uma empresa estratégica para o Brasil, meses antes da eleição”, disse.

“Privatizar a Eletrobrás é entregar de bandeja esse inestimável patrimônio duramente construído pelo povo brasileiro”, diz. “É permitir que interesses privados passem a controlar as barragens e as vazões das águas, bem como o acesso a importantes fontes hídricas do nosso país”.

A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), anunciou que o partido vai recorrer à Justiça Federal para impedir o processo de desestatização. “É um crime lesa-pátria”, anunciou. Ao longo dos últimos 50 anos, estima-se que foram investidos mais de R$ 400 bilhões na Eletrobrás. O governo tem pressa em realizar o negócio e entregar a estatal na bacia das almas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer vender a empresa até o mês de maio.

Pior do que permitir a venda, contudo, é que o TCU autorizou a primeira fase para a venda da estatal criada por Getúlio Vargas, sob condições suspeitas. Alertada pela área técnica de que o preço para a desestatização da Eletrobrás foi subavaliada pelo Ministério das Minas e Energia, ainda assim, os ministros aprovaram o relatório do ministro Aroldo Cedraz.

Ficou vencido o ministro Vital do Rego, que advertiu que o governo havia subestimado o preço para a venda da empresa. O valor correto seria pelo menos R$ 130 bilhões, nos cálculos do TCU. mas o governo Bolsonaro quer se desfazer da empresa, considerada estratégica para o desenvolvimento nacional, pela metade disso: R$ 67 bilhões.

Vale lembrar que a Eletrobrás é responsável por cerca de um terço da geração de energia elétrica do país e por mais de 40% dos ativos de transmissão no território nacional. A holding controla importantes empresas do setor de energia, como a Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul, além de ser sócia da Itaipu Binacional, da qual detém 50% do controle acionário.

A presidenta do PT diz que a conta não fecha e adverte que o negócio, além de inconveniente do ponto de vista financeiro, ainda é prejudicial para o futuro do país. “A estatal estratégica brasileira, que nem deveria ser vendida, vale pelo menos R$ 130,4 bilhões, e não R$ 67 bilhões. É o dobro do preço. Nós vamos à Justiça”, reiterou.

O professor Ildo Sauer, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), lembra que nenhum país do mundo privatizou suas usinas hidrelétricas”. Na China, detentora da maior produção, o sistema é completamente estatal. Nos Estados Unidos, as usinas são mantidas sob o controle público, por meio da Tennessee Valley Authority. O Brasil é o segundo maior produtor de energia hidrelétrica do mundo, perdendo apenas para a China.

Ele e outros especialistas têm apontado que a privatização da Eletrobrás vai fazer o preço da energia subir e a qualidade do serviço cair. A empresa, cuja proposta de criação ocorreu em 1954 pelo presidente Getúlio Vargas, pouco antes de seu suicídio, sempre enfrentou oposição e contrariou interesses privados.

Tanto que o projeto de criação das Centrais Elétricas Brasileiras S/A só foi aprovado em 1961 no Congresso Nacional, já no governo de Jânio Quadros, e instalada por João Goulart, em 11 de junho de 1962, em sessão solene do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), no Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

Desde que foi criada e instalada, a estatal manteve papel importante para a redução das desigualdades do Brasil. Levou energia onde não havia, nos anos 60 e 70, e ajudou a garantir a produção industrial brasileiro e o desenvolvimento urbano ao longo dos anos 80 e 90. A estatal foi responsável, por exemplo, pela operação do programa Luz para Todos, criado no governo Lula para levar energia elétrica a quase 17 milhões de brasileiros que, em pleno século 21, ainda viviam na escuridão. A manutenção do controle da estatal nas mãos da União está relacionada, portanto, à defesa da soberania e à segurança energética do Brasil.

A ex-presidenta Dilma Rousseff, responsável pelo Luz para Todos quando era ministra das Minas e Energia, denuncia que a venda da Eletrobrás fere o interesse nacional. Ela desmontou argumento de que a empresa precisa ser privatizada para poder atrair investimentos. “Isso é mentira. Na área de energia elétrica, o financiamento é feito pelo chamado projeto de financiamento com base em recebíveis”, lembra. “O retorno do investimento é totalmente garantido pela própria atividade da empresa”.

“É isso o que sempre financiou os grandes projetos do Brasil, inclusive aqueles com predominância privada, como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte”, frisou. Entre 2003 e 2018, 80% dos investimentos no setor elétrico foram privados, com parceria pública minoritária, reforça. “Na média, os grandes investimentos foram 60% privado, 40% público”.

Pelo modelo previsto na privatização, a tarifa de energia pode subir sem aviso prévio. “Para a Eletrobrás valer alguma coisa, essa energia já paga tem de ser passada para o [setor] privado, e ele pode cobrar qualquer tarifa”, adverte. “Ou seja, ele não teria mais de dar à população brasileira a parte que ela já pagou”, explica. “É um roubo”, disse. A Eletrobrás é a maior empresa de energia da América Latina, com 48 usinas hidrelétricas, além da maior parte das eólicas.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria no Senado, diz que a venda da Eletrobrás é “a mais grave, mais complexa e mais inconsequente das privatizações”. Em pronunciamento no plenário do Senado na quarta, 16, ele citou que o valor colocado como preço para a venda, não incorpora uma série de coisas que a Eletrobrás faz e fará e que não estão no preço. “Não incorpora, por exemplo, o valor que os espelhos d’água das hidrelétricas têm para acolher painéis solares de energia solar”, lembra.

“Sou daqueles que acreditam que (…) cabem boas privatizações e más privatizações, privatizações necessárias e privatizações totalmente desnecessárias, equivocadas e, algumas vezes, até mal-intencionadas e criminosas, e essa se encaixa nesse último grupo”, adverte. Para o senador, a venda da estatal sem um estudo prévio do impacto tarifário é o “absurdo dos absurdos”.

“Estamos falando aqui de uma privatização sutil, simplista, quase escamoteada da holding das holdings do sistema elétrico brasileiro, chamada Eletrobrás, e, abaixo dela, de todos os guarda-chuvas regionais que cada um de nós, na sua região, conhece muito bem: Eletronorte para os nortistas; Chesf para os nordestinos; Furnas, para os sudestinos e, para a Região Sul, Eletrosul”, denunciou no plenário do Senado.

Ele citou como brecha potencial para alta das tarifas o fato de não haver nenhuma restrição ou previsão de subsídio para que o comprador não considere no custo para composição das tarifas os ativos já amortizados das hidrelétricas da holding. A estatal considera nos custos os preços de operação e manutenção. A iniciativa privada, certamente, cobrará o valor de mercado, o que pode elevar as tarifas. Há cálculos que projetam alta anual de 4,3% a 6,5% nas tarifas.

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