Jean-Luc Godard, cineasta e crítico do imperialismo, dizia que devemos comemorar o desaniversário daquilo que nos seria mais caro. O desaniversário, ao contrário do que a primeira vista pode parecer, é a comemoração permanente, o reavivamento constante em nossa memória dos nossos heróis. Louvar diuturnamente os exemplos que valem a pena ser louvados, transpondo-os a nossa ação.

Neste ano de 2022 em que celebramos o centenário de Leonel de Moura Brizola, meus sentimentos são contraditórios. Por um lado, tenho a alegria, o privilégio e a responsabilidade de contribuir para que o legado de meu avô não caia no esquecimento. Por outro, a tristeza profunda de sua ausência. Eu tenho saudades do meu avô, mas tenho mais saudade ainda da coragem e da prática política de Leonel Brizola.

Tenho certeza que a origem humilde do Brizola em Carazinho, no Rio Grande do Sul, forjou o seu caráter e o preparou para as lutas que travou ao longo da vida. Foi na sua infância e juventude, que se gestou as suas maiores obsessões: a escola pública para o povo e o amor pelo Brasil. Bandeiras pelas quais deu o melhor de sua genialidade política.

Em vários aspectos foi um precursor: como a primeira reforma agrária com êxito no Brasil; o político que mais construiu escolas no mundo; e teve a coragem de encampar duas multinacionais quando governador no Rio Grande do Sul; foi o líder da memorável Campanha da Legalidade em 1961, uma mobilização sem precedente na história que uniu a liderança carismática do Brizola, o Exército e o povo que pegou em armas para defender a democracia, a Constituição e a legalidade, impedindo uma tentativa de golpe da direita em nosso país.

Impossível não lembrar aqui seu pioneirismo na batalha pela implantação efetiva dos direitos humanos no Estado do Rio de Janeiro. Garantindo o Estado Democrático de Direito, a inviolabilidade do lar, seja de um humilde barraco ou de um palacete, antes mesmo da Constituição de 1988. Defendeu os marginalizados, os excluídos, os invisíveis, e por isso foi acusado injustamente de favelizar o Rio e de ter contribuído para o aumento da violência em nossa cidade.

Na verdade, no governo Brizola a prioridade na aplicação do orçamento era para atender as necessidades dos mais pobres. Isso a elite carioca jamais perdoou. Essa é uma de suas inúmeras facetas que merecem um estudo mais aprofundado.

Toda trajetória política do Brizola foi dedicada aos ideais trabalhistas, cuja essência era a visão acertada da covardia da espoliação das riquezas nacionais. Quando governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola percebeu que São Paulo se desenvolvia às custas do subdesenvolvimento de outras regiões, especificamente o Estado que governava.

Com argúcia, ampliou esse conceito e cunhou o termo perdas internacionais como a mola propulsora do imperialismo. Os países ricos exploram os países pobres. O desenvolvimento gera o subdesenvolvimento. No léxico brizolista, entreguismo significa desfibramento, traição ao país, aliança com os interesses das multinacionais e canalhice. Nacionalismo ou entreguismo? De que lado se está? Essa é a pergunta seminal do brizolismo.

Era incrível sua capacidade de se comunicar com o povo, além de ser um excepcional administrador. Isso pouca gente fala e reconhece. Nas três vezes que foi governador sofreu um profundo boicote do governo federal e, mesmo assim, com sua capacidade de racionalizar os recursos públicos fez obras memoráveis. São exemplos os mais de 500 Cieps, a linha vermelha, o sambódromo e tantas outras que seria impossível enumerá-las.

Com Brizola, aprendi que a política exige mais do que boas intenções. Exige coragem! Aprendi que a nossa tarefa número um é salvar nossas crianças. E isso não é possível sem lutarmos pela educação de tempo integral e que os professores tenham o reconhecimento que merecem.

Aprendi que democracia não se constrói tirando direitos dos trabalhadores, precarizando o trabalho e entregando o patrimônio do país.

Democracia, antes de tudo, é igualdade de oportunidades. Aprendi que o respeito o outro se constrói na tolerância e na diversidade. Aprendi que, com a política de direitos humanos, podemos acabar com o genocídio nas favelas.

Aprendi que toda a trajetória política de Brizola foi uma aula de amor ao povo brasileiro. Esse é o meu exemplo, a minha escola, preservar esse legado e disponibilizar ao povo brasileiro é a razão da minha vida. •

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