Desde que o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez intitulou um de seus livros como “Crônica de uma Morte Anunciada”, em 1981, ficou difícil encontrar outras palavras para descrever tragédias esperadas, iminentes, à espera apenas de imagens para torná-las reais. No Brasil, elas têm data marcada. Ocorrem geralmente em janeiros de anos seguidos.

Neste 2022, as tragédias chegaram na minha Minas Gerais como uma pedra assassina que descolou ruidosamente da rocha para fazer dez vítimas num lago da cidade de Capitólio. Como um morro que desceu envolvendo casarões históricos e destruindo um pedaço da Ouro Preto, reconhecida como Patrimônio Mundial da Humanidade. E, de forma mais grave, deixando 25 mortos e milhares de desabrigados no Estado, consequência das enchentes. 

As chuvas caíram com mais intensidade em Minas e na Bahia neste ano, trazendo novamente dezenas de mortes, destruição e desespero à população. Famílias ficaram isoladas, estradas destruídas, casas foram cobertas pela água e milhares de pessoas ficaram desabrigadas, necessitando das ações de socorro, amparo e reconstrução. 

As enchentes são fenômenos naturais, mas tornam-se ameaças pelas práticas humanas na forma de ocupação do solo. Com a vulnerabilidade nas moradias de populações mais pobres, empurradas para áreas de risco pela desigualdade imobiliária, tragédias como consequência das enchentes passaram a ser algo comum na vida das populações de muitas cidades brasileiras. Mesmo assim, permanece o despreparo do Brasil para lidar com a intensificação de eventos climáticos extremos. 

Todo ano, as cenas se repetem e vidas são sacrificadas neste período. Mas, neste ano, a situação se agravou pela completa falta de interesse do governo federal em minimizar esses riscos e oferecer ajuda para mitigar as consequências. A responsabilidade ficou para as administrações municipais e estaduais, que não têm condições financeiras, e ações de solidariedade da sociedade civil.

Esta realidade comprova que é necessária a criação de uma política nacional permanente para enfrentar tragédias como consequências de eventos climáticos extremos aplicados em locais com infraestruturas inadequadas e má gestão de urbanização.

O Brasil precisa criar um fundo permanente para enfrentamento de tragédias, que se repetem ano após ano. Com recursos estipulados e previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, para que não haja a burocracia hoje existente na liberação por medidas provisórias. É uma vergonha um orçamento de R$ 4,8 trilhões, valor de 2022, não conter uma previsão para investimentos tão urgentes e necessários. 

Os valores seriam destinados para apoio emergencial às pessoas atingidas e pela volta da normalidade nas cidades, seguido de um projeto de reconstrução. Prover ações permanentes de prevenção para salvar vidas, garantindo maior previsibilidade, em ações como a remoção de pessoas em áreas de risco. E auxílio financeiro para as pessoas que perderam bens e tiveram outros tipos de prejuízo. 

É necessário que o Estado brasileiro indenize pelos bens pessoais perdidos pelos afetados pelas tragédias. Muitos perdem os poucos móveis que possuem. Oferecer ajuda direta, e não apenas liberação do FGTS, como acontece hoje. Até porque a grande maioria não conta com este benefício e, os que têm, acumularam a vida toda à custa de muito trabalho.

É inadmissível que todos os anos as cenas se repitam e o poder público não tome iniciativas para evitar as tragédias. É obrigação do Estado brasileiro ter um instrumento moderno que minimize os impactos, salvando vidas e garantindo a devida reparação às pessoas afetadas. •

 

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