O orçamento de 2022 e a crise econômica
Com o desfecho próximo para a PEC dos Precatórios, o cenário para o Orçamento de 2022 começa a ficar mais claro. Considerando um IPCA para 2021 em torno de 10%, é possível que a mudança da fórmula de cálculo do teto gere espaço adicional de R$ 70 bilhões para o governo. Se o Congresso promulgar o subteto de precatórios, o Palácio do Planalto teria cerca de R$ 115 bilhões adicionais ao previsto no projeto de lei do orçamento em 2022.
Tais valores seriam acrescidos às seguintes despesas: Auxílio Brasil (cerca de R$ 50 bilhões), recomposição dos benefícios da seguridade social (R$ 33 bilhões), desoneração da folha (R$ 5 bilhões), atualização do piso de saúde (R$ 6 bilhões) e outras despesas indexadas ao corretor do teto de gastos, remanescendo algum espaço para gastos discricionários adicionais. Entre elas, as emendas de relator, num valor de até R$ 16 bilhões.
Segundo as projeções do Ministério da Economia, já computando os efeitos da PEC 23, a despesa primária deve ficar em 18,2% do PIB, uma queda de 8 pontos percentuais em relação às despesas em 2020 e de 1 ponto em comparação a 2021.
Ou seja, mesmo com a PEC 23, haverá redução da despesa primária como proporção do PIB. A diminuição do gasto deve ocorrer simultaneamente ao aperto monetário praticado pelo Banco Central, com forte subida de juros para conter a inflação. O atual ciclo de contração monetária, que já alcança 725 pontos base (pb), é o de maior magnitude desde 2002.
Com a justificativa de trazer a inflação para as respectivas metas nos anos calendário de 2022 e 2023 e de influenciar as expectativas de longo prazo, a nota do Copom divulgada em dezembro, que anunciou o aumento da taxa Selic para 9,25% ao ano, indicou que este ciclo contracionista terá continuidade em 2022. Uma opção seria alargar o horizonte da meta, evitando que a subida de juros afete a economia.
O atual ciclo de aumento de juros já impacta negativamente a atividade econômica neste ano, mas seus efeitos serão maiores no ano que vem, podendo levar a economia nacional à recessão. O Banco Central independente parece esquecer que sua missão também é suavizar o ciclo econômico e fomentar o pleno emprego.
A combinação de política fiscal e monetária restritivas esvazia a capacidade estatal de responder à crise econômica e social em curso. O fato revela aspecto decisivo do projeto neoliberal, a saber, a rigidez de regras que regem o Estado, retirando-lhe capacidade de ação, sobretudo diante de uma crise, e subordinando-o à lógica do mercado.
Ainda que professe crenças liberais primitivas, a equipe econômica do governo procura, a seu modo, responder à deterioração da conjuntura. Para não estourar o teto, cria um teto móvel — por meio da mudança da fórmula de cálculo da Emenda Constitucional 95 na PEC 23 — e limita o pagamento de precatórios, abrindo espaço, especialmente, aos gastos sociais em ano eleitoral.
Toda esta “ginástica” serve para não rever de forma transparente o teto de gasto ou ao menos retirar despesas do teto em função de seus efeitos redistributivos ou multiplicadores. Para além dos impactos macroeconômicos da regra, há de se examinar os efeitos sobre gastos específicos. Por exemplo, os R$ 85 bilhões do programa de transferência de renda em 2022 ainda implicarão uma exclusão de cerca de 27 milhões de famílias que recebiam auxílio emergencial e não serão integradas ao Auxílio Brasil.
Por outro lado, os economistas convencionais alertam que a flexibilização fiscal poderá desancorar as expectativas dos agentes, subtraindo credibilidade da política econômica. A rigidez do arcabouço fiscal atenta contra a sua credibilidade, resultando em expedientes de fuga das regras que o próprio governo diz defender. Até a fada da confiança está desiludida com as mudanças casuísticas nas regras fiscais e faltará ao encontro com a economia brasileira.
Em 2021, em meio a uma inflação de dois dígitos, já vivemos uma recessão técnica, com queda do PIB no segundo e no terceiro trimestres. Para 2022, as projeções para a atividade econômica seguem se deteriorando, crescendo-se o risco de a atual gestão entregar o país com uma contração do PIB.
Assim como em outras áreas, os resultados das escolhas do governo no plano econômico são trágicos. A contração fiscal, somando-se ao aperto monetário, deverá ser decisiva na desaceleração da economia, mantendo-se elevados o desemprego e a capacidade ociosa.
A tarefa de reconstrução do país a partir de 2023 não será pequena.