O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está acostumado às multidões. Desde os tempos das grandes mobilizações em São Bernardo do Campo, no final dos anos 70, sempre soube se dirigir às massas. Mas não conseguiu esconder a emoção na sexta-feira, 10, ao participar de um ato de celebração da volta da democracia na Argentina, convidado pelo presidente Alberto Fernández. Nada menos do que 250 mil argentinos se reuniram na Plaza de Mayo, no centro de Buenos Aires, para comemorar a volta da democracia e o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Ao se deparar com a multidão, que o saudava como se fosse Diego Maradona, Lula ficou visivelmente emocionado. A massa urrava, saudando-o no palco, onde desfilou junto com o presidente Alberto Fernández, a vice Cristina Kirchner e o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica. “Vamos a volver, vamos a volver… Lula vai volver”, entoava a multidão, como se estivesse na Bombonera, o famoso estádio do Boca Juniors, onde Diego Maradona virou lenda…

Antes de Lula falar, Cristina Kirchner o saudou, lembrando que o povo argentino não se equivocava quando fazia tal previsão. “Eu sei que Deus e a Virgem Maria vão nos escutar para que Lula volte a ser presidente de Brasil. Não necessitamos nós, mas milhões de brasileiros e brasileiras que querem voltar a se sentir incluídos”, disse Cristina. “Olha, companheiro, cada vez que cantaram isso, não erraram”, brincou a vice-presidente da Argentina, arrancando risos de Lula, Mujica e Fernández.

Em sua vez de falar, com a voz embargada, Lula titubeou: “Do fundo do coração, quero agradecer a cada homem e a cada mulher da Argentina que prestaram solidariedade a mim quando fui preso no Brasil. Quero agradecer a cada sindicato, a cada mulher e a cada homem, a cada estudante, a cada companheiro dos partidos políticos, a cada deputado e senador que prestou solidariedade, que foi para a rua fazer manifestação”.

Lula fez um agradecimento especial a Alberto Fernández, lembrando que, durante as eleições presidenciais na Argentina, há dois anos, ele o visitou na sede da Polícia Federal em Curitiba, onde permaneceu preso por 580 dias. “Ele teve coragem de ir na cadeia me visitar, mesmo eu pedindo para ele tomar cuidado, porque talvez não fosse prudente para um candidato. E Alberto disse: ‘Diga a Lula que vou visitá-lo com muito orgulho e que quero dar uma entrevista, depois que sair da prisão, para que todo o povo argentino saiba que, independentemente das eleições, eu sou humanista, defendo os direitos humanos e quero defender a liberdade do companheiro Lula, que está preso injustamente’”, lembrou.

Ele também lembrou que, quando governou, a América do Sul vivia um momento especial, com governos progressistas que transformaram o continente, como os de Cristina Kirchner, na Argentina, e Pepe Mujica, no Uruguai. “Esses companheiros progressistas, socialistas, humanistas, fizeram parte do melhor momento de democracia da nossa Pátria Grande, a nossa querida América Latina”, afirmou.

Lula fez um discurso caloroso e arrancou aplausos e gritos de apoio da multidão: “Nossa querida América do Sul viveu seu melhor período de 2000 a 2012, quando nós governamos democraticamente todos os países do continente, quando nós expulsamos a Alca e firmamos o Mercosul, criamos a Unasul e a Celac”, acrescentou. O ex-presidente lembrou que alguns desses governos foram submetidos a ataques duros e perseguições judiciais, como da Lava Jato no Brasil, que o condenou e prendeu injustamente e sem provas, e que, na Argentina até hoje persegue Cristina Kirchner.

“A democracia não é um pacto de silêncio”, disse Lula. “A democracia é a sociedade demonstrando a sua irreverência, a vontade de eleger e de tirar, de eleger e também participar. A democracia é o momento extraordinário em que nós nos manifestamos na construção de uma sociedade efetivamente justa, igualitária, humanista, fraterna, em que o ódio seja extirpado e o amor seja vencedor”, discursou.

Lula foi chamado a falar por Pepe Mujica, que lembrou da necessidade de os povos sempre trabalharem para preservar a democracia. “A democracia não é perfeita. Não pode ser perfeita porque os humanos não são. Mas, até agora, não encontramos um sistema melhor. Então, cuidem dela”, disse o ex-presidente, preso pela ditadura militar uruguaia por 14 anos e que se tornou presidente de seu país em 2010, tornando-se um dos líderes mais populares do mundo.

A própria Cristina lembrou à perseguição judicial a que foi submetida, vítima do lawfare, como Lula. “Dessa vez, não vieram com fardas militares, mas com togas e meios de comunicação para nos julgar primeiro na mídia e nos condenar depois na Justiça”, advertiu. “Não é mais necessário desaparecer com as pessoas, agora agem com tinta nos jornais e microfones nas tevês. Mas não importa, aqui estamos outra vez. Porque o povo sempre encontra o caminho para voltar”, disse.

O evento contou com apresentações musicais e a presença de militantes do movimento contra a ditadura Madres da Plaza de Mayo, incluindo Estella de Carlotto. “A democracia, essencialmente, é a liberdade, é sermos livres, é respeitar a diversidade. E hoje, com o rótulo de liberais, aparecem os conservadores, os xenófobos, os negacionistas. Diante disso, não podemos ficar em silêncio, de braços cruzados, nem nos esquecer de que, na Argentina, houve terrorismo de Estado que tirou a vida de milhares de pessoas”, disse.

Ele agradeceu a presença de Mujica e Lula, a quem dirigiu suas últimas palavras: “Quero agradecer você, meu querido Lula, que é um líder gigante. Sempre que um homem passar pelo que aconteceu com você, estarei ao lado deste homem. Porque ninguém merece a prisão injusta. Como estou do seu lado, Cristina, porque sei de sua inocência”. •

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