PING PONG| FERNANDO HADDAD – “O Enem corre risco sob este governo”
Ministro da Educação de 2005 a 2012, Fernando Haddad afirma que o sistema de funcionamento do ensino brasileira está sendo desmontado e destruído pelo governo Bolsonaro. O mais longevo político à frente do MEC demonstra grande preocupação com o que pode acontecer com o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem).
Quando comandava o MEC, nos governos Lula e Dilma, o exame passou a ser porta de entrada para todas as universidades federais e isso pode acabar sendo colocado em risco diante da forma como o atual governo vem maltratando o ensino público. Além dos problemas com a prova, o advogado e economista também faz duras críticas ao governo pelo conjunto de maldades que vem administrando com crueldade a educação pública. A seguir, trechos da entrevista concedida à revista Focus Brasil.
Focus Brasil — O ENEM desse ano foi marcado por um escândalo que colocou em risco a realização da prova. Foi o exame com a menor participação da história e, como sempre, alvo de ironia do presidente da República, que deveria zelar pelo bom funcionamento do Estado. Qual é a avaliação que o senhor faz de tudo isso?
Fernando Haddad — Eu vejo dois problemas sérios em relação ao Enem deste ano. Em primeiro lugar, o desestímulo a que os estudantes prestem o exame. O governo está criando obstáculos cada vez maiores a que as pessoas se inscrevam e disputem as centenas de milhares de vagas que foram criadas nos nossos governos por programas como o Prouni e pela expansão das universidades federais, inclusive com a criação do sistema de reserva de vagas. Este é um primeiro problema grave. O segundo é colocar em risco a reputação do exame, construída junto às universidades federais que abriram mão dos seus processos seletivos para aderir ao exame nacional. Isso foi uma conquista do governo Lula no ano de 2009 com a criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Isso é muito grave. E se o governo continuar insistindo nisso vai colocar a perder uma das maiores conquistas de democratização do acesso à educação superior.
— Num pequeno exercício de futurologia, será que o Enem do ano pode ser ainda pior?
— É possível. Isso porque o governo não está tomando nenhuma providência para garantir o próximo Enem. Inclusive, com a denúncia recente de que o banco de itens para a elaboração da prova está esvaziado. Quer dizer, o governo há três anos não contrata professores, pré-testes para compor o banco de itens que é uma condição sem a qual o exame, da maneira como foi concebido — que segue uma regra que se chama Teoria da Resposta ao Item, isso permite calibrar, justamente, de um ano para o outro o grau de dificuldade da prova permitindo comparação entre provas diferentes. Sempre foi um grande mérito do Enem. E pode se perder se não houver uma rápida contratação de questões para o banco de itens.
— Qual é a perspectiva do senhor sobre a política educacional colocada em prática pelo atual Ministério da Educação?
— Definitivamente, não existe política educacional no Brasil a não ser a do desmonte e da destruição. É corte de bolsas de iniciação à docência, bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado, corte do orçamento de custeio das universidades e institutos federais e cortes drásticos no CNPq. Os cientistas brasileiros estão atônitos com o que está acontecendo. O total desrespeito aos professores, tanto da Educação Básica quanto da Educação Superior, e o naufrágio dos anúncios feitos no primeiro ano do governo Bolsonaro: Future-se, Escola Cívico-Militar… São coisas que nem saíram do papel, para falar a verdade. O que tem é um grande desmonte, uma gestão da pandemia na área da educação que é sofrível. Nós vamos ter muito trabalho para recuperar o tempo perdido. Enfim, é uma situação realmente dramática.
— Sobre o desinvestimento nas universidades e em bolsas de pós-graduação, o senhor acredita que o sistema aguenta o desmanche por mais um ano, até que Bolsonaro seja derrotado em 2022?
— Nós temos que vencer a eleição no ano que vem. Vamos derrotar o bolsonarismo porque o país não aguenta. No máximo, o Brasil aguenta mais um ano desse jeito. O povo passa fome, estudante está evadindo do ensino médio e da universidade. Eu não sei até que ponto podemos chamar isso de aguentar. Na verdade, o sofrimento da população está no presente. Preço do combustível, dos alimentos, desemprego, inflação… É realmente um sofrimento muito grande. Então, não aguenta mais. Mas temos que ter força para chegar na eleição e derrotar nas urnas o bolsonarismo, de preferência no primeiro turno para liquidar de vez a possibilidade de um retrocesso ainda maior do que estamos vivendo. Então, a tarefa agora é reunir todas as forças democráticas nacionais para colocar fim a esse pesadelo.