Em novembro deste ano, a morte de Alberto Freitas, asfixiado em um supermercado do Carrefour, em Porto Alegre, completará um ano. Seu assassinato ocorreu quando a onda Black Lives Matter havia varrido o planeta. É preciso transformar urgentemente o sistema judicial que normaliza as mortes produzidas pela polícia

 

 

Desde que o movimento Black Lives Matter tomou as ruas das principais cidades do mundo para denunciar a morte de George Floyd, em 26 de maio de 2020, em Minneapolis, muita coisa mudou no debate racial no mundo e também no Brasil. Um dos principais pontos é que o entendimento de que não se pode falar de violência policial e de segurança pública sem considerar o passado e o presente de discriminação racial.

Pelo mundo, parece ter havido uma mudança de sensibilidade quanto à importância de combater o racismo, e um novo termo parece ganhar os meios de comunicação e o debate público, o antirracismo. Este termo parece vir para designar duas coisas: a primeira é a ideia de que não basta não ser racista, é preciso ter uma postura ativa contra o racismo. A outra é que, isso posto, brancos também podem e, no limite, devem agir contra o racismo.

A veiculação desta ideia atraiu novas instituições da mídia, as grandes empresas de comunicação passaram a inserir mais jornalistas e comentadores em posições-chave, mudança de conselhos editoriais com mais pessoas negras; organizações de investimento social privado passaram a criar linhas de suporte para projetos na questão racial, entre outros.

Esta sensibilização, que ocorreu de fora para dentro, já existia anteriormente, de dentro para fora, anos atrás, quando do assassinato de Marielle Franco. A morte da vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) causou revolta e sensibilidade em grande parcela da sociedade brasileira e sua figura ficou internacionalmente conhecida.

Ainda sem estar vinculada diretamente à violência policial, ainda que houvesse policiais envolvidos em sua morte, a dimensão da injustiça contra ela cometida contornou seu drama em linhas de classe, raça, gênero e território, e as mulheres negras foram as grandes enunciadoras de sua politização.

Em novembro deste ano, a morte de Alberto Freitas completará um ano, assassinado quando a onda Black Lives Matter não havia passado. Como no Brasil já havia uma rede de mobilização contra a violência policial que se formou há mais de dez anos, houve tempo para que o movimento negro brasileiro se reconfigurasse mediante a necessidade da resposta.

Alberto Freitas não foi morto por uma força oficialmente policial, mas o modo como sua morte aconteceu revela o quanto esta sociedade está militarizada. Um dos participantes da “operação” de que ele foi vítima era um membro temporário da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, e o modo como os agentes o mataram reproduziu as técnicas que levaram à morte George Floyd – policial ajoelhando sobre seu pescoço e produzindo sufocamento.

Portanto, não foram apenas as ondas do BLM que vieram para o Brasil. As técnicas de morte também. No início do mês de novembro, policiais voltaram a aplicar as técnicas de matar negros, desta vez contra uma mulher, no interior de Minas Gerais.

Os ventos de protesto e repressão ventaram por aqui, contudo, pouco ainda se avançou na formulação de como acabar com a violência produzida pela polícia. Trata-se de um problema que todos concordam que existe, mas quando as poucas propostas de mudança das polícias surgem, costumam-se ouvir avaliações que as tomam como absurdas – como se o absurdo maior não fossem as mortes e a brutalidade.

É preciso transformar urgentemente o sistema judicial que normaliza as mortes produzidas pela polícia, quando absolvem até mesmo policiais que confessaram execuções. Jovens negros levados ao sistema de justiça são considerados suspeitos e não gozam da presunção da inocência, mas de presunção de culpa. É preciso impedir que policiais se aproximem de pessoas negras, pois, via de regra, chegam perto de pessoas negras para produzir violência e insegurança.

Podem ser consideradas ideias absurdas, mas para mudar a realidade é necessário romper com expectativas de realidade nas quais, curiosamente, normalizamos o absurdo cotidiano de mortes.