PING PONG | ALOIZIO MERCADANTE – “Lula é importante para o mundo”
Da Espanha, onde acompanha o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu périplo pela Europa, o presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, faz um balanço sobre a passagem do ex-mandatário pelo velho continente. Ele destaca a atuação de Lula como estadista e sua importância para o resgate da credibilidade do Brasil no mundo. “Lula está no rol das grandes heranças do Brasil e da política internacional. Ele é um estadista e é seguramente a mais importante liderança popular do planeta”, define Mercadante.
Focus Brasil – Qual a importância da viagem do ex-presidente Lula à Europa neste momento histórico em que o Brasil tem sua imagem destroçada pela política externa de Bolsonaro?
Aloizio Mercadante — A viagem do presidente Lula acontece em momento muito importante da política internacional, porque estava acontecendo a reunião do G20 e a Cop26, em que o mundo discutiu a agenda da emergência climática e procurou pactuar compromissos, instrumentos e metas, em função do inquestionável processo de aquecimento, que está alterando o clima, gerando prejuízos e ameaçando o futuro do planeta. E, neste momento fundamental, o Brasil estava totalmente fora das discussões. O país de Bolsonaro é um pária no concerto das ações. A participação no G20 mostrou o tamanho do isolamento a que a política externa negacionista conduziu o Brasil. Sequer apareceu na reunião da Cop26.
— Mas, aí o Lula começa a percorrer a Europa, certo?
— Em primeiro lugar, o presidente chega em Berlim, onde está se encerrando o ciclo de governo da Angela Merkel, da democracia cristã, que sempre teve boa relação com os nossos governos. Mas, a vitória do Olaf Scholz, do SPD, é uma grande novidade política. É o reconhecimento do desempenho de um ministro da Fazenda que teve papel decisivo no combate à pandemia, não apenas porque derrotou o negacionismo, mas que buscou construir uma política econômica anticíclica, que está desenhando um novo papel do Estado na retomada do crescimento econômico da Alemanha e da Europa.
Ele inclusive é um dos grandes responsáveis, junto com a vice-presidenta da Espanha, pelo programa “Nova Geração” da União Europeia, que é um programa de investimento de 750 bilhões de euros. Pela primeira vez, a União Europeia aceita se endividar para fazer uma política anticíclica para investir na transição ambiental e ecológica, na transição digital com justiça social e, portanto, inaugurando um novo capítulo para os sete estados que compõem o bloco europeu.
— E como foi a conversa do presidente Lula com Scholz?
— Foi muito positiva. Discutiram os grandes temas da política internacional e da relação bilateral. Também o acordo comercial União Europeia-Mercosul, que foi formalizado, mas, não assinado. Há alguns temas em que ainda queremos fazer alguns ajustes, se o presidente Lula vencer as eleições e o tudo indica que isso vai ocorrer, principalmente para assegurar mais espaço para a indústria e para a reindustrialização do Brasil e dos países da região. De toda forma, com Bolsonaro é muito difícil prosperar esse acordo. Há uma imensa repulsa ao negacionismo climático e aos ataques à democracia e aos direitos humanos.
— O que mais você destacaria da passagem de vocês pela Alemanha?
— Tivemos uma conversa muito positiva com as centrais sindicais da Alemanha. Mas, destaco a reunião profunda com o Martin Schulz, que é presidente da Fundação Friedrich Ebert, que está muito presente na América Latina e no Brasil historicamente. Saímos de lá com um diálogo encaminhado para construção de um programa de trabalho e um projeto de cooperação entre o PT e o SPD e entre a Fundação Perseu Abramo e a Fundação Friedrich Ebert para debater os grandes temas da relação bilateral Brasil-Alemanha. Também para buscar as boas práticas de políticas públicas e as inovações que podem contribuir para a elaboração de um programa de governo.
— Da Alemanha, vocês foram para a Bélgica…
— Lá, tivemos reunião com o ministro de relações Exteriores da União Europeia para discutir a relação com a América Latina e, depois, com a mesa do Parlamento Europeu, com o bloco dos partidos progressistas e democráticos e socialistas e democráticos. Ainda, com a Fundação do Partido Socialista Europeu, com o qual estabelecemos o mesmo tipo de parceria. Ali, formalizamos também um trabalho em conjunto com o Partido Socialista Português e a Fundação do Partido Socialista Português. Eles estarão em eleições até ao final de janeiro e estão no processo de elaboração de programa de governo, discutindo todos os temas do desemprego, da imigração, do aquecimento global, da saúde, da educação, do desenvolvimento, do papel do Estado, enfim, temas que nos interessa aprofundar e trocar. A mesma parceria estamos fazendo com o PSOE e a Fundação do PSOE e com o Podemos e com a Fundação do Podemos. Na Espanha, tive também uma excelente conversa com Juan Carlos Monedero, que é uma dos líderes do Podemos.
— Mas, o que repercutiu com mais força aqui no Brasil foi o discurso no Parlamento Europeu.
— O presidente fez um pronunciamento que foi divulgado no Brasil e aclamado pelo Parlamento Europeu. O sentimento geral de todas as conversas bilaterais, ficou muito claro, que Lula não é importante só para o Brasil, mas importante para o planeta. É, talvez, um dos líderes políticos populares mais conhecidos no mundo e mais bem avaliado pelas extraordinárias realizações de seu governo, no combate à pobreza, na inclusão social, mas também pelas iniciativas de política externa, como o fortalecimento do Mercosul, da Unasul, da Celac, a constituição dos BRICS e o IBAS.
— E como foi o encontro com o ganhador do prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz.
— Ainda em Bruxelas nos reunimos com ele. O Stiglitz tem uma visão muito crítica ao neoliberalismo e tratamos da superação desse modelo já ultrapassado, que exige, necessariamente, o fortalecimento do Estado e a ação do Estado como grande indutor da economia. Esse conceito já vem sendo bem aceito na Europa, mas ainda sofre forte resistência da elite conservadora do Brasil. Ficou acertada uma ida do Stiglitz ao Brasil para aprofundarmos esse debate.
— E a agenda na França?
— Lula esteve com Jean-Luc Melénchon, que é o candidato da França Insubmissa, e esteve com a Anne Hidalgo, que é a prefeita de Paris e também candidata à Presidência. Eles discutiram pelo campo da esquerda chamando a atenção para a importância de uma aliança dos progressistas. Isso porque há dois candidatos da extrema direita, a Marie Le Pen e o Éric Zemmour, com discurso nacionalista e contra a imigração.
São mesmas teses do Vox, na Espanha, e no Brasil com Bolsonaro. Ou seja, é a mesma matriz do trumpismo, da propagação de fake news e do ódio, rompendo todos os consensos democráticos, atacando a política da igualdade das mulheres e os direitos das mulheres e promovendo o racismo, a homofobia, a discriminação e a agressão aos direitos humanos. Então, é um esforço imenso que as forças progressistas têm pela frente para avançar na luta contra a extrema direita.
Nesse ponto, na Europa há um movimento de avanço das forças progressistas. Não só a Alemanha, com uma mudança muito importante na região, temos que aguardar ainda as eleições na França, mas todos os países nórdicos são, hoje, governados por progressistas e sociais-democratas. Na península ibérica, na Espanha já há um governo consolidado e em Portugal vamos ter uma nova eleição, mas com grande chance de repetir o modelo e continuar com um governo progressista.
Mas, é importante dizer ainda que Lula recebeu o prêmio da revista internacional mais importante da França, em uma cerimônia em que estavam todos os empresários importantes daquele país, mais de 150 pessoas.
— E o encontro de Lula com o presidente Emmanuel Macron?
— Macron tratou Lula como chefe de Estado, com honras de chefe de Estado, com toda a tropa perfilada e tivemos uma conversa de 1h20 muito aprofundada, muito importante, tratando de temas como o aquecimento global. E o Lula colocou como agenda prioritária novamente o combate à fome, que atingiu 811 bilhões de pessoas no mundo, o enfrentamento da desigualdade e a busca de novas formas de financiamento para combater o aquecimento da emergência climática, mas de forma associada ao combate da fome e da pobreza do mundo.
— Por fim, vocês tiveram uma agenda importante na Espanha.
— Tivemos uma conversa extraordinária de 1h30 com Pedro Sánchez, discutindo a fundo a questão da relação Europa- América Latina. A Espanha tem um olhar muito especial para América Latina e é um país muito importante para o Brasil, sendo o segundo país que mais investe no país, só é superado pelos Estados Unidos. Lula também esteve com as centrais sindicais da Espanha discutindo a precarização do mundo do trabalho e o desafio da nova da indústria 4.0 em relação ao emprego e o problema da imigração. Foi uma discussão muito rica. Não poderia deixar de mencionar que, ainda em Bruxelas, estivemos com o ex-primeiro-ministro espanhol Zapatero, com quem temos uma relação extraordinária.
— E qual sentimento você traz dessa viagem?
— Sem dúvidas, Lula trouxe o Brasil de volta, trouxe a esperança novamente. Ele está mostrando que é possível o brasileiro voltar a sentir orgulho do país e voltar a ser respeitado no concerto das nações, em um tempo de grandes desafios, como é a reconstrução das economias no pós-pandemia. O mundo precisa de estadistas. Como o Lula tem reforçado em todas as conversas, o mundo precisa de uma nova governança mundial. Lula está defendendo uma conferência específica para discutir uma governança para poder tratar das grandes questões do planeta, um programa de renda básica universal, o combate à emergência climática e combate à fome. O estadista voltou, a esperança voltou e a sensação que a gente percebe aqui, em todas as conversas com empresários, com trabalhadores, com presidentes da República, com parlamentares, com dirigentes partidários, é que vitória de Lula nas eleições seria o melhor para o Brasil e o mundo.
— E que patamar da história está o presidente Lula?
— Ser testemunha de um processo como esse e presenciar tudo o que estamos vivendo aqui na Europa é muito forte, muito intenso, porque o Lula realmente é um patrimônio. A história de vida dele é uma coisa tão diferente. Como disse o Zapatero publicamente, ninguém fala da fome como Lula, porque quando ele coloca isso na agenda internacional, é o único líder mundial que passou por isso. Lula está no rol das grandes heranças do Brasil e da política internacional. Ele é um estadista e é seguramente a mais importante liderança popular do planeta.