Em um dos momentos mais duros das relações do mundo com o Brasil , relegado a segundo plano pela política isolacionista de Bolsonaro, Lula retoma diálogo com líderes globais e é recebido na Alemanha, Bélgica, França e Espanha como chefe de Estado

 

Dez dias na Europa, depois de percorrer quatro países — Alemanha, Bélgica, França e Espanha — reunir-se com dois chefes de Estado — Emmanuel Macron (França) e Pedro Sánchez (Espanha) — e dois ex-presidentes da República, José Luiz Zapatero (Espanha) e François Hollande (França), além do futuro chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, Lula mostrou ao Velho Mundo o melhor da política brasileira, simpatia e capacidade de diálogo. Toda a mídia e líderes europeus sabem que Lula é o favorito nas eleições presidenciais de 2022.

Em Paris, no Palácio do Eliseu, sede do governo, Lula foi recebido com pompa pelo presidente Emmanuel Macron. O encontro durou 1h15min e os dois líderes políticos conversaram sobre as relações internacionais da França com o Brasil e a América Latina. Outro ponto da pauta foi a crise mundial e as transições globais para enfrentar os desafios da preservação ambiental, geração de empregos, redução das desigualdades e proteção ambiental.

Segundo Lula, a questão do financiamento da chamada transição ecológica dos países em desenvolvimento é uma preocupação mútua. Macron expressou reconhecimento da importância do Brasil no mundo e desejo de relações mais fortes entre o país e a França, paralisadas desde a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2019.

Em Madri, ao ser recebido por Pedro Sánchez no Palácio de Moncloa, Lula tratou da integração europeia e da América Latina, discutindo o papel que o Brasil já teve – e que pode voltar a ter, e a participação da Espanha numa Europa mais integrada e mais coesa. Eles discutiram ainda a importância das relações bilaterais de Brasil e Espanha, e trocaram experiências sobre programa sociais desenvolvidos em seus países.

Lula e Sánchez falaram do Bolsa Família, do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, iniciativas de inclusão social implementadas por Lula e que estão sendo destruídas no Brasil. Também comentaram os riscos para as democracias e a importância de se contrapor com governos democráticos e voltados para o crescimento sustentável e a igualdade.

A capacidade de interlocução de Lula reabriu algumas portas ao Brasil, fechadas desde que Bolsonaro passou a reagir com dureza às críticas dos europeus à destruição da Amazônia. Em Bruxelas, no início da semana, Lula também esteve com o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. 

O ex-presidente fez lembrar ao mundo que o Brasil do samba, da bossa nova, da redução das desigualdades sociais e do compromisso político com justiça social não está morto. Ele mesmo fez um balanço de sua passagem pelo continente, lembrando do acolhimento, da renovação da esperança e da capacidade de assumir o desejo de mudar o mundo.

“Estou convencido de que é possível recuperar o Brasil. Essa viagem que eu fiz pela Alemanha, pela Bélgica, pela França e pela Espanha é uma tentativa de provar ao povo brasileiro que o povo gosta do Brasil”, destacou. Lula foi saudado por líderes globais influentes, como Macron e Sánchez, que ouviram atentamente as preocupações do ex-presidente do Brasil com o aumento da desigualdade no mundo.

Em Berlim, Bruxelas, Paris e Madri, Lula fez questão de cultivar seu lugar como líder global, pregando a harmonia entre os povos do planeta. “O futuro da humanidade deve ser construído no diálogo e no não autoritarismo, na paz e não na violência, com mais livros e não mais armas”, declarou em discurso na Sciences Po Paris. 

O jornal francês Le Monde diz que a passagem de Lula pela Europa serviu para tranquilizar muitos observadores e diplomatas, entristecidos pelo colapso do Brasil no cenário internacional há três anos. Reportagem do diário Libération comparou a passagem de Lula por Paris ao de um astro de primeira grandeza do rock ou de um ator famoso.

“Na terça-feira, quando a noite acaba de cair na capital, os arredores do Sciences-Po Paris estão lotados e a segurança é fornecida por alguns homens de terno e gravata. Quanto ao hall de entrada, é difícil imaginá-lo mais cheio. É preciso acotovelar-se para avançar na longa fila que conduz às portas do anfiteatro Émile Boutmy, diante do qual se aglomeram jovens cuja média de idade mal passa dos 20 anos”, descreve o jornal. “No entanto, nenhum cantor aparecerá. Foi por um homem de 76 anos, com cabelos brancos e uma cabeça quase calva, que o público jovem se mexeu”. 

A avidez da audiência na França ou na Espanha em ouvir o ex-presidente do Brasil são justificadas. “Lula foi o presidente que mais ajudou os pobres e mais trabalhou para acabar com a pobreza”, lembrou o ex-presidente do governo espanhol José Luís Zapatero, em discurso no Parlamento Europeu, em Bruxelas. O ex-presidente foi ovacionado em Bruxelas e falou como o estadista reconhecido pelos avanços sociais de seus dois governos.

“Meu otimismo não nasce do acaso, mas da experiência. Acredito que a humanidade tem jeito porque estou aqui hoje, neste Parlamento Europeu, reunido com representantes de países que em meados do século 20 eram inimigos ferozes no campo de batalha, numa das maiores carnificinas da história”, disse o ex-presidente.

Em todos os seus pronunciamentos — no Parlamento Europeu, em encontros na Espanha e diante de acadêmicos e estudantes no Sciences Po, em Paris — Lula bateu no velho problema do planeta: a pobreza e a desigualdade.

“Não é possível sermos felizes em meio a tamanha desigualdade, que cresceu de forma inaceitável em plena pandemia. Os ricos ficaram muito mais ricos e os pobres, ainda mais pobres”, lamentou. “A desigualdade entre ricos e pobres manifesta-se até mesmo nos esforços para a redução das mudanças climáticas.  O 1% mais rico da população do planeta vai ultrapassar em 30 vezes o limite necessário para evitar que um aumento da temperatura global ultrapasse a meta de 1,5ºC até 2030”.

No périplo europeu, Lula ainda teve encontros importantes com organizações sindicais de trabalhadores. Na terça-feria, 16, Lula se reuniu com os trabalhadores espanhóis, representados pela confederações sindicais Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO) e Unión General de Trabajadores (UGT). Em Berlim, na semana anterior, ele também esteve com líderes de sindicatos alemães.

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