“Não há como explicar às gerações futuras que em nosso tempo 1% da humanidade detém quase a metade da riqueza do planeta, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome”, denuncia

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva alertou intelectuais e acadêmicos franceses que o mundo tem graves desafios pela frente, como a desigualdade, a miséria e a fome. Na terça-feira, 16, ele proferiu uma palestra no Instituto de Estudos Políticos de Paris, a SciencesPo. Intitulado “Qual o lugar do Brasil no mundo de amanhã?”, o evento celebrou os dez anos do título Doutor Honoris Causa concedido pela instituição a Lula. O ex-presidente foi o primeiro latino-americano a receber o título da instituição, uma das mais respeitadas do mundo na área de ciência política e social.

“Os desafios fundamentais da humanidade continuam os mesmos. A urgência de enfrentá-los é que vai se tornando maior. Uma urgência agravada pela pandemia que segue devastando especialmente as populações dos países mais pobres, além daqueles cujos governos negaram a ciência ou, pior ainda, investiram na morte, como ocorreu no Brasil”, disse. “É duro, mas é necessário, admitir que na última década o mundo regrediu”.

“Não há como explicar às gerações futuras que em nosso tempo 1% da humanidade detém quase a metade da riqueza do planeta, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome”, discursou. “Que uns poucos privilegiados viajam ao espaço por um capricho bilionário, enquanto milhões de famílias não têm sequer onde morar”.

Segundo o ex-presidente, não há justificativa para não taxar as transações financeiras globais e criar fundos de desenvolvimento e combate à pobreza. “É diante desses desafios que me convidam a falar sobre o papel do Brasil no futuro próximo. Apesar da gravíssima situação e de todos os retrocessos que foram impostos ao país e ao povo brasileiro nos anos recentes, quero trazer uma palavra de esperança”, disse.

“É inevitável comparar a posição que o Brasil havia alcançado nas relações internacionais com o isolamento entre as nações em que o país se encontra hoje. Isso não é fruto do acaso. É o resultado de uma disputa pelo poder que extrapolou os limites da Constituição e do respeito à democracia, até culminar no golpe do impeachment sem crime da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e tudo o que veio depois”, denunciou Lula.

“O objetivo indisfarçável do golpe era reverter o projeto de país soberano, voltado para o desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável, com geração de emprego e distribuição de renda para a imensa maioria historicamente excluída”, declarou.

Ele enumerou as inúmeras conquistas e os resultados das políticas públicas adotadas em seus dois governos e nas administrações de Dilma. “Ampliamos significativamente o investimento público em políticas sociais e de infraestrutura para o crescimento, reduzindo e controlando a inflação e a dívida pública”, lembrou.

“O Brasil chegou a ser a sexta maior economia do mundo. Em 12 anos, criamos 20 milhões de empregos formais, elevamos em 74% o salário-mínimo e, graças a um conjunto de programas, dos quais o mais conhecido é o Bolsa Família, tiramos da miséria 36 milhões de pessoas. Em 2012, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU”, lembrou.

Lula ainda citou que os governos do PT criaram 18 universidades, com 178 novos campi e 422 escolas técnicas por todo o país. “O Estado criou o passou a garantir o crédito educativo, ampliou a oferta de vagas e reservamos cotas para negros, indígenas e alunos de escolas públicas nas universidades”, lembrou.

E apontou: “Foi dessa forma que reduzimos a desigualdade e ao mesmo tempo aprofundamos a democracia”. Segundo Lula, “tudo isso aconteceu porque, também pela primeira vez, colocamos os pobres e os trabalhadores no Orçamento da União, provando com isso que os pobres não são problema, mas sim a solução do país”.

“Transformações dessa magnitude parecem intoleráveis para elites forjadas num processo histórico marcado pela violenta apropriação das terras e das riquezas naturais, pelo genocídio dos indígenas e por mais de três séculos de escravização de povos africanos”, denunciou o ex-presidente. “O processo de destruição nacional em curso no Brasil só poderia ser conduzido por um governo antidemocrático, num país envenenado pela indústria das fake news e em que a oposição é excluída dos debates nos grandes meios de comunicação”.

Citando a destruição das cadeias econômicas essenciais, como os setores de engenharia, óleo e gás, Lula lamentou a destruição da maior empresa do povo brasileiro: a Petrobrás. “Corroeram as finanças públicas e contrariamente ao que prometiam, minaram a confiança dos investidores. Transformaram o Brasil numa economia onde apenas especuladores e oportunistas obtém benefícios”, denunciou.

“O resultado é que em apenas cinco anos os trabalhadores perderam direitos fundamentais, o desemprego e o custo de vida explodiram, programas sociais foram abandonados ou descontinuados, incluindo o Bolsa Família. A fome voltou ao cotidiano das famílias”, alertou.

“Por todos estes motivos, uma nova inserção do Brasil no cenário mundial passa, necessariamente, pela reconstrução do país, num processo de eleições democráticas e verdadeiramente livres, sem fake news diferentemente do que ocorreu em 2018”, disse.

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