Organizados para debater a cultura como elemento integrante e transformador da democracia, seminários reafirmam centralidade do povo negro

 

 

A luta antirracista e a afirmação dos direitos do povo negro, assim como sua inserção no processo decisório do país, foram temas que percorreram diversos debates ocorridos durante os seminários Cultura e Democracia, entre 8 e 19 de novembro. O ponto comum das análises é que a exclusão e a violência contra a população negra e os povos originários brasileiros, expressões mais evidentes do racismo, turvam a democracia e impedem sua concretização.

Mesmo que nenhuma das nove mesas do primeiro ciclo dos seminários tenha tratado da questão eleitoral, ficou evidente, por óbvio, a necessidade de derrotar o bolsonarismo como medida essencial para a retomada do processo democrático. E que este se dará, de fato, na superação do racismo. Para tanto, adotar a agenda negra e indígena não como elementos paralelos, mas centrais.

A democracia nos moldes liberais, em formato “tipo exportação”, especialmente aquela preconizada pelos Estados Unidos, fracassou, segundo afirmaram muitos dos participantes. O profundo fosso entre ricos e pobres, a violência institucional, a predominância da economia, como falsa ciência, sobre a política e sobre todas as demais expressões culturais, transformaram a promessa democrática em escombros.

Outro ponto de convergência dos debates é o estado moribundo do capitalismo, que enfrenta cada vez maiores e incontornáveis obstáculos para se reproduzir por intermédio de sua acumulação. Daí o agravamento do autoritarismo e dos ataques aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Essa combinação, como historicamente sempre aconteceu, penaliza os mais pobres e vulneráveis. Portanto, agrava o racismo.

Por outro lado, a assunção de novas formas de fazer cultura e política, observadas nas periferias do Brasil e do mundo, abre novas possibilidades para a construção de um outro modelo democrático. Para Dennis de Oliveira, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, o Brasil precisa encetar uma luta ampla e popular contra a colonização e pela soberania nacional. Um elemento central para isso será valorizar a herança negra e colocá-la no centro do projeto político. “A amefricanidade é o caminho para construir um Brasil emancipado”, disse, tomando como referência conceito criado pela pensadora Lélia Gonzalez.

Gilberto Gil, que participou da mesa de 10 de novembro, defendeu que o futuro do Brasil seja mestiço. “Nosso tom é mestiço. A nossa democracia deve ser mestiça, a igualdade deve ser mestiça, ou seja, as desigualdades, numa analogia com a refração da luz, devem ser apenas nuances surgidas no intercâmbio entre as cores do arco-íris vivencial, e não no encardimento definitivo do preto ou o desbotamento definitivo do branco nos extremos do espectro”, falou o músico, ex-ministro da Cultura no governo Lula e recém-eleito imortal da Academia Brasileira de Letras.

A proposição de Gil parece dialogar com análise do professor Dennis, para quem o mal-estar dos racistas em pertencer a uma sociedade tão profundamente influenciada pelos negros é uma “neurose cultural”.  A ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, apontou como necessária, para ampliar a luta antirracista, a superação dessa neurose. Segundo ela, o movimento negro brasileiro tem ampliado o espectro de ação. “Ele continua forte e passa por mudança, há uma expansão das articulações e maior incidência das pessoas não-negras. Isso dá um outro tom à cultura”, afirmou.

Os seminários, cujo primeiro ciclo de debates encerrou-se na última sexta-feira, são uma iniciativa do Instituto Cultura e Democracia e das fundações Perseu Abramo e Friedrich Ebert. As nove mesas podem ser revistas nos canais do Youtube das entidades organizadoras.

`