Servidores apontam que realização do exame será como “pilotar um avião às cegas”. O Inep não terá condições de responder a qualquer eventualidade que aconteça durante realização dos testes

 

A menos de duas semanas da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), os quase 3,4 milhões de inscritos na avaliação foram surpreendidos com a informação de pedido coletivo de exoneração de gestores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia responsável pelo exame ligada ao Ministério da Educação. No total, 33 servidores públicos do órgão deixaram os cargos de chefia em razão da “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep”.

O número chega a 35 funcionários de carreira, se somados os dois coordenadores-gerais que pediram exoneração na semana passada pelo mesmo motivo. Com isso, mais de 25% dos cargos comissionados da autarquia estão vagos, nas vésperas do maior exame organizado pelo órgão, gerando insegurança e incerteza nos milhões de inscritos no Enem.

Em manifesto público, a Associação dos Servidores do Inep (Assinep) denunciou o clima de desconfiança, intimidação, assédio, perseguição e insegurança psicológica que tomou conta da autarquia. “Alertamos, por fim, quanto ao risco da permanência de Danilo Dupas na Presidência do Inep, por ter uma gestão caracterizada por afugentar e oprimir pessoas, o que gera vulnerabilidades aos exames, avaliações, censos e estudos, comprometendo a trajetória exitosa de 85 anos do Inep”, denuncia.

Os servidores também acusam o presidente do Inep, o quarto no governo Bolsonaro em apenas três anos de mandato, de ingerência, utilização dos canais de comunicação do órgão para a autopromoção, censura e de paralisia administrativa — ele se recusa a assinar qualquer ato. “O Comitê de Governança Institucional (CGI), na teoria possui ares de ‘colegiado’, mas na prática dá a impressão de que somente referenda as decisões monocráticas do presidente. Ao que parece, tudo estrategicamente planejado e executado de modo a proteger o dirigente máximo da autarquia”, aponta a Assinep.

Apesar do cenário de caos instalado na autarquia e da completa omissão do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que não se pronunciou sobre o caso até o momento, o Inep anunciou que o exame está mantido. Ribeiro está na Europa e, em setembro, durante audiência na Câmara dos Deputados, chegou a declarar que o exame era um desperdício de dinheiro. “Joguei R$ 300 milhões na lata do lixo [em 2020]”, disse.

A Focus Brasil apurou que o grande gargalo do Enem deste ano será a ausência de uma sala de situação que monitore o andamento das provas em tempo real. Servidores afirmam que o exame terá acompanhamento impossível, comparando a situação a “pilotar um avião às cegas”. Ou seja, o Inep não terá condições de responder em tempo a qualquer eventualidade que aconteça no andamento da execução do Enem.

Ex-ministro da Educação, Aloizio Mercadante, criticou a falta de gestão que tomou conta da educação brasileira no governo Bolsonaro. O presidente da Fundação Perseu Abramo destaca que, nos governos do PT, o Enem foi transformado no grande caminho de oportunidades de acesso à educação superior brasileira, sendo um critério republicano para programas como o Sisu, o Fies, as cotas e o ProUni.

“Para dar segurança ao exame, realizamos aprimoramentos de gestão e elaboramos um processo que envolvia, desde a elaboração até a realização e correção, mais 11 módulos de segurança e mais de 3,6 mil pontos de controle, além de parceria com a Polícia Federal para a prevenção de tentativas de fraude”, observa Mercadante.

 

Responsabilidade com PT

O fato é que, nos governos Lula e Dilma, a gestão do Enem passou por uma série de aprimoramentos de gestão, com segurança e com redução de custos.  Desde 2012 até o Golpe de 2016, não houve registros de problemas de segurança nas provas do Enem e o exame chegou a se tornar o segundo maior do planeta, atrás apenas da prova chinesa, com 8,6 milhões de inscritos em 2016.

Outra celeuma envolvendo a realização do Enem deste ano é a decisão do governo Bolsonaro de negar isenção social de taxa para estudantes faltosos na prova de 2020. Entretanto, em setembro, o Supremo Tribunal Federal obrigou o Executivo a retomar as inscrições e não cobrar a taxa para os ausentes do ano anterior. Foi isso que levou Milton Ribeiro a dizer que a decisão do Supremo era como jogar R$ 300 milhões na lata do lixo.

Entretanto, Mercadante recorda que o Enem já vinha passando por um esvaziamento sob o governo Bolsonaro, com um ministro que considera a universidade como um privilégio para poucos. Para ele, a sociedade precisa reagir ao desgoverno e preservar o Enem como uma conquista social da educação brasileira.

“Para isso, é imperativo que o Congresso Nacional convoque o ministro da Educação a dar explicações públicas sobre os desmandos em curso no Inep”, defende Mercadante. “Ele precisa apresentar as providências para assegurar o bom êxito da prova. Afinal, Bolsonaro sempre se posicionou publicamente na direção de intervir no Enem. Ao que parece, essa tutela autoritária e obscurantista está sobre o Enem e terá como vítima principal o caminho de oportunidades que construímos”, denuncia.

Mas, as negligências envolvendo o Inep não vem só de agora. Em maio, duas graves denúncias envolveram a autarquia. A primeiro foi a censura de um estudo que mostra os efeitos positivos do programa de alfabetização implantado nos governos do PT. A segunda envolve a atuação direta do ministro Milton Ribeiro, em favor de um centro universitário presbiteriano denunciado por fraude no Enade 2019. Ambas, seguem sem respostas ou desdobramentos.

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