O ex-juiz e o coordenador da Lava Jato fazem dos antigos cargos um trampolim e agora revelam ao país a verdadeira índole dos abusos que praticaram. São traidores das instituições às quais pertenceram, violadores da ordem jurídica, sedentos de poder e ávidos pela manipulação da opinião pública

 

O anúncio público da filiação político-partidária do ex-juiz Sergio Moro, com a pretensão de empreender uma candidatura à Presidência da República, e o desligamento do procurador da República Deltan Dallagnol dos quadros do Ministério Público Federal, também com finalidade política, representam a consumação de uma manobra escancarada de aproveitamento político do sistema de Justiça. Trata-se da admissão inexorável de que a perseguição judicial odiosa, levada a efeito pelo irregular conluio de ambos, nada mais era senão um plano sórdido de obtenção de vantagens eleitorais por meios fraudulentos. 

Esses dois notórios personagens, celebrizados por uma promíscua atuação concertada, mediante a qual, durante a chamada operação Lava Jato, frustraram escandalosamente garantias processuais básicas, como o devido processo legal, a presunção da inocência, o juiz natural e a paridade de armas entre acusação e defesa, agora revelam cinicamente seus verdadeiros propósitos.

Os falsos pretextos de “combate à corrupção”, “Brasil justo para todos” e “lei que deve valer para todos”, utilizados de modo farsesco, na verdade traduziam a desonesta busca de interesses pessoais, à custa do desvio de finalidade em investigações policiais, na apresentação de denúncias e nas instruções processuais.

Como resultado da degradação da essência das suas funções de juiz e de procurador, Moro e Dalagnol fomentaram e promoveram a condenação de inocentes e a bancarrota de segmentos importantes da economia nacional, numa tenebrosa deformação dos encargos da magistratura e do Ministério Público. Ainda que a Lava Jato tenha servido, num primeiro momento, a descortinar oportunamente a ocorrência de crimes financeiros relacionados com atos de corrupção, o decurso posterior de espetaculosas ações policiais e medidas judiciais excessivas desencaminhou o eixo da operação, de modo a associá-la a um rasteiro complô, destinado a interferir decisivamente no processo político.

Sérgio Moro passou a violar gravemente a obrigação de imparcialidade a que devem respeito todos os magistrados, como condição elementar de sua atuação. Já Deltan Dallagnol converteu a força-tarefa que coordenava na Lava Jato num sinistro esquadrão dedicado a empreender perseguições políticas, sem base legal.

Pois bem, Moro e Dallagnol agora revelam ao país a verdadeira índole dos abusos que praticaram. São traidores das instituições às quais pertenceram, violadores da ordem jurídica, sedentos de poder e ávidos pela manipulação de incautos. Evidenciam, com a demonstração de seu apetite político-eleitoral, alimentado pelo fanatismo punitivista, que a chamada República de Curitiba transgrediu sistematicamente os limites legais, a partir de um clandestino projeto político.

Essa foi a marca da passagem de Moro pela magistratura e de Dallagnol pelo Ministério Público. Agiram movidos por interesses inconfessáveis, que agora vêm à tona. Suas digitais estão gravadas na trilha de depravação institucional que guindou Jair Bolsonaro ao cargo de Presidente do Brasil.

Nesse contexto, salta aos olhos o absurdo de apresentar a candidatura presidencial de Sergio Moro como suposta “terceira via” na disputa entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.

Atuando como consultor de um escritório de advocacia estrangeiro, após curta e malsucedida passagem pelo Ministério da Justiça no governo Bolsonaro, Moro não se constrangeu em deflagrar tratativas políticas visando às eleições de 2022, embora significativamente pedisse a seus interlocutores que mantivessem sigilo sobre suas intenções por conta de questões contratuais com seu então empregador.

Contenções éticas jamais constituíram inibição para as desavergonhadas articulações do ex-juiz. A sua conduta é parte de um trôpego intento político, supostamente equilibrado. Ao que parece, Moro evoca como credenciais para se encaixar nesse perfil o seu antagonismo com o presidente Lula e o rompimento que protagonizou ao deixar a função ministerial no governo Bolsonaro. Mas tanto a noção específica do que seja essa alternativa, quanto a legitimidade do pretendente à vaga, padecem de distorções que precisam ser enfrentadas.

​Se em princípio parece sedutora a ideia de um “tertius”, que sugira postura equidistante entre extremos, convém observar que, a rigor, é fictícia a suposta polarização que contrapõe Bolsonaro e Lula como representantes de dois polos semelhantes em termos de desajuste político.

Na verdade, enquanto Bolsonaro atua como permanente inimigo da democracia e do Estado de Direito, empreendendo constantes ataques às instituições, subvertendo políticas públicas previstas na Constituição e erodindo a essência da ação governamental em diversos setores, Lula, de outra parte, sempre pertenceu ao campo democrático, atento à estabilidade política e reverente às regras do jogo previstas na lei e na Constituição.

Essa constatação escancara a evidência de que Lula e Bolsonaro não são duas faces da mesma moeda. Longe disso! Trata-se de uma comparação maliciosa e mentirosa. Note-se ainda que a concepção estruturante da chamada “terceira via” parte de uma premissa falaciosa, que milita contra o imperativo de união, ao menos no segundo turno, de todos os segmentos políticos avessos ao autoritarismo grotesco e corrosivo representado por Jair Bolsonaro.

​No que diz respeito à possível reivindicação de Sergio Moro como opção de centro, equidistante numa disputa Bolsonaro-Lula, não há como disfarçar a absoluta inadequação do ex-juiz a esse imaginário papel. Afinal, Moro abriu mão da necessária isenção judicial, para atuar às escondidas, de modo parcial, chegando ao ponto de ter declarada pelo Supremo Tribunal Federal a sua conduta suspeita.

Como alguém com esse histórico poderia aspirar agora condição politicamente idônea? Não há hipótese! Logo, é imperativo denunciar a trama nefasta urdida por Moro e Dallagnol para tornar a Operação Lava Jato o epicentro de uma articulação golpista, que só trouxe prejuízos ao país.

Nesse sentido, convém lembrar que a trajetória política de Sérgio Moro teve um início degradado, justamente pela troca de favores negociada com o próprio Bolsonaro. Valendo-se de artifícios ilegais, Moro cuidou de alijar Lula da corrida eleitoral de 2018.

Mais tarde, colaborou para derrotar Fernando Haddad, com a divulgação, às vésperas do pleito, de uma delação fantasiosa de Antônio Palocci. Disso resultou a sua extravagante nomeação para o cargo de ministro da Justiça, após uma constrangida renúncia ao cargo de juiz federal. Até mesmo a promessa de uma pensão anômala e destituída de base legal foi objeto dessa transação deplorável.

Quais seriam então as credenciais éticas ou políticas existentes para que Sérgio Moro se considere apto a renegar tais graves responsabilidades, pela deformação do exercício do cargo de juiz? E de que forma poderia o ex-ministro da Justiça superar a umbilical ligação de sua aventura política com o projeto de poder bolsonarista? São perguntas sem resposta.

A pretensão eleitoral do ex-juiz é um autêntico escárnio! Mais uma etapa no percurso de uma personalidade deslumbrada, que abdicou do requisito de integridade a ser observado no exercício da atividade política.

Embora considerado suspeito e parcial pelo Supremo, Sergio Moro agora intenta sublimar as heresias que praticou, para ressurgir na política como santo, supostamente isento dos seus graves pecados e em busca de uma imerecida redenção, com a falsa narrativa que o promove a alternativa entre dois extremos.

Mas a aventura político-partidária de infames trapaceiros como Moro e Dallagnol não irá longe. A consciência jurídica do país haverá de dimensionar com a devida lucidez o dano incomensurável que ambos perpetraram contra a Justiça brasileira, em prejuízo da Democracia e em desfavor do interesse nacional.

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