É um equívoco considerar que a subida dos juros e a busca desenfreada de “ajuste” fiscal a qualquer preço, como faz o governo, vão resolver a inflação. Essas não são políticas e medidas neutras, mas proporcionam elevados ganhos a alguns privilegiados

 

A inflação oficial no Brasil, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, atingiu 10,25% no acumulado dos últimos doze meses até setembro. Dentre os subgrupos que o compõe, destacam-se, pelo seu impacto, especialmente para a população de baixa renda: alimentação no domicílio, com 14,66%; habitação, 14,00%; e transportes, 17,93%.

O Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M), que prevalece como indexador de contratos interempresariais e de aluguéis, chegou a superar 37% no acumulado dos 12 meses até julho. Vem recuando, mas ainda está em 25% nos últimos 12 meses, influenciado pela alta dos preços no atacado e pela desvalorização do real.

A indexação, ou reajuste automático de contratos com base em índices de variação da inflação passada, prevalece como herança do nosso período de inflação crônica dos anos 1980 e início dos 1990, gerando fator inercial e propagando a inflação.

Como enfrentar o drama inflacionário é sempre uma questão relevante para nosso futuro. Embora haja pressões decorrentes da elevação dos preços das commodities — matérias primas, petróleo e grãos, por exemplo —, o que vem impactando mundialmente a economia e representado um desafio ainda mais expressivo para os países emergentes, há o que possa ser feito domesticamente, ao contrário do que se depreende de algumas declarações de autoridades brasileiras:

  1. a desvalorização do real e a volatilidade da taxa de câmbio é um fator que pode ser enfrentado com uma postura mais proativa do Banco Central. O país conta com nível confortável de reservas cambiais, a situação das contas corrente do balanço de pagamentos é razoável, o que permite as pré-condições para atuações no mercado à vista. Da mesma forma, via swaps cambiais, pode influenciar o mercado futuro.
  2. os preços administrados, especialmente derivados de petróleo e energia, representam outro foco de pressão sobre a inflação. O governo federal ainda detém o controle da maior empresa na área e pode adotar uma política mais adequada, não só para atender aos interesses dos acionistas da empresa, mas o mercado consumidor.
  3. os oligopólios ainda mantêm grande capacidade de formação e preços domésticos, o que pode ser combatido com medidas de concorrência, via órgãos competentes.
  4. o regime de metas de inflação, introduzido em 1999 e em vigor atualmente, tem potencial de melhoria. Dadas as demais distorções apontadas nos itens anteriores, especialmente a indexação, que a torna muito rígida.

Diante do problema inflacionário o Banco Central vem aumentando a taxa básica de juros (Selic), via Comitê de Política Monetária (Copom). A taxa Selic subiu de 2% para 6,25% ao ano e, até o final do ano, a projeção é que supere 8%, como acaba de admitir um dos diretores do BC em evento público.

Elevar juros, por outro lado, revela significativa contradição, uma vez que as pressões inflacionárias decorrem de “choques de oferta” e não excesso de consumo. Além disso, está elevando custo e as condições de crédito aos tomadores finais, outro fator restritivo da demanda afetando, com mais ênfase, as famílias e as empresas endividadas e àquelas que demandam financiamento.

De qualquer forma, é um equívoco considerar que a subida dos juros e a busca desenfreada de “ajuste” fiscal a qualquer preço vão resolver a inflação. Mesmo porque essas não são políticas e medidas neutras, proporcionando elevados ganhos a alguns, via concessão de subsídios e incentivos sem retorno social, ou por meio de pagamento de juros. No acumulado dos últimos 12 meses foram transferidos aos credores da dívida pública, sob a forma de pagamento de juros, R$ 336 bilhões (4,1% do PIB). Enquanto isso, causas relevantes da inflação, como as apontadas, permanecem intocadas.

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