Dono de um sorriso cativante e absolutamente mineiro, Ivan Caiafa é um empresário que ganha a vida como produtor na área de comunicação e marketing, inclusive político, mas mantém agora os dois pés no mundo digital. Sua experiência em quatro campanhas eleitorais em Minas Gerais o deixaram calejado nas disputas políticas, mas também atento ao jogo eleitoral. É um empresário de esquerda, filho de uma ex-militante política presa e torturada na ditadura militar. Daí seu compromisso histórico com as pautas progressistas.

Nas últimas eleições presidenciais de 2018, ele observou que o jogo político mudou. Os resultados das urnas mostraram um nível de disparidade assombroso com o que apontavam as pesquisas eleitorais até à véspera da votação. Em Minas Gerais, Ivan viu de perto o estrago da máquina de mentiras e assassinato de reputações, que derrotou o PT.

Ele trabalhou na campanha de Dilma Rousseff e viu a candidata do PT ao Senado perder uma eleição tida como ganha por analistas e pela própria imprensa. Dilma foi vítima da guerra suja detonada por Jair Bolsonaro e financiada por empresários ligados à ultradireita nacional. Assim como a ex-presidente, que terminou lá atrás a disputa pelo Senado, outros expoentes naufragaram na corrida, como Roberto Requião, derrotado no Paraná, ou Eduardo Suplicy, em São Paulo.

Os três foram alvos de toda sorte de ataques direcionados pela campanha de Bolsonaro, com mentiras, difusão de boatos e fake news. A máquina bolsonarista funcionou de maneira eficiente naquela ocasião. Mas a situação pode ser pior em 2022.

“Steve Bannon e associados descobriram uma forma de exportar para o mundo os projetos da extrema-direita. E isso é grave. E quem se apoderou dessas ferramentas são grupos extremistas, de supremacistas brancos, de projetos neoliberais extremos. Eles estão replicando isso para o mundo democrático. Ficou muito fácil sobretudo porque estão jogando sozinhos. Vencem por W.O”, adverte. A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida à revista Focus Brasil.

Focus Brasil — Como a mentira está afetando as campanhas eleitorais e qual o impacto que você acredita que possa vir a ter na próxima eleição no Brasil?

Ivan Caiafa — As ferramentas e estruturas, pessoas e financiadores que descobriram uma forma muito eficiente de fazer campanhas que minam as democracias no mundo estão ativas, cada vez mais eficientes e com potencial cada vez maior de fazer a manipulação da psicologia das massas. O conceito do trabalho dos dados atrelado a sofisticados processos de manipulação psicológica tem sido ignorado pelos partidos políticos, pelas principais lideranças de partidos democráticos, de esquerda, de centro-esquerda, da turma da direita que é “civilizada”. E ninguém está entendendo que a ultradireita, com conceitos ultraconservadores e arcaicos, encontrou uma forma de trabalhar a psicologia das massas de maneira muito eficiente e sofisticada. Isso está na mão só de um grupo. Em 2022, corremos o risco de ter novas surpresas, muito desagradáveis, porque esses sistemas não estão de fato sendo entendidos, percebidos ou contra-atacados. Eles estão navegando livremente nas operações de Telegram, de WhatsApp e de redes sociais. O que a esquerda conseguiu entender é que existem fake news. Ok. Mas isso é só a ponta de um ou de alguns icebergs.

 

— Há um desconhecimento geral.

— As lideranças e instituições comprometidas com o país não entenderam ainda é o que tem por baixo dessas águas geladas, o que tem por baixo dessas pontas desses icebergs. Entender que teve um videozinho que difamou o [Fernando] Haddad [na campanha de 2018] e que isso foi um problema, é só um entre centenas de milhares de videozinhos que foram utilizados de uma forma muito eficiente e para públicos muito direcionados que muitas vezes as campanhas não percebem.

Estou falando do Haddad, mas é sobre o candidato que estiver concorrendo contra o nome da ultradireita acompanhado por Steve Bannon. Se for o Ciro Gomes, vai acontecer com ele. Se for o [Guilherme] Boulos, vai acontecer com ele. Aconteceu com o Haddad porque ele era o contraponto. Vai acontecer com qualquer um. Essas tecnologias, ferramentas e metodologias estão nas mãos de um único grupo e esse grupo copia e cola essa metodologia em diversos países e tem usado com sucesso. Desde 2015, isso apareceu mais nitidamente em algumas das maiores democracias do mundo. No Reino Unido, com o Brexit. Nos Estados Unidos, na eleição do Donald Trump. E aqui, na eleição do Bolsonaro. A gente só é o terceiro “case” de maior sucesso deles. Trabalharam dezenas de campanhas em dezenas de países, se preparam para ter essa relevância nas nações mais importantes do mundo e o Brasil é um país muito importante. Agora, é curioso isso, a princípio, até hoje é um único grupo, uma única empresa com as mesmas pessoas e com a capacidade de fazer estragos enormes nas democracias, principalmente, nas democracias que flertam com alguma inclinação para a esquerda, para a centro-esquerda.

 

— Você acha que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] não percebeu por falta de informação ou de formação da própria estrutura?

— O TSE percebe de forma rasa, também. Estruturalmente, o problema é muito mais complexo. Estamos falando de tecnologias que são muito difíceis de serem entendidas, difíceis de serem mapeadas, mas não impossíveis. É curioso também porque tudo já está dito e colocado por publicações diversas, seja no documentário da Netflix, no livro de delator da Cambridge Analytica, relatórios de cientistas de dados, reportagens em revistas científicas e entrevistas de executivos e ex-executivos de Google, Facebook e Instagram, que denunciam. São modelos muito difíceis de serem enfrentados, não deveriam estar sendo enfrentados só pela via institucional. A via institucional é um caminho, mas os principais interessados em enfrentar essa dinâmica seriam os partidos políticos e eles estão a anos-luz de distância de começar a enfrentar esse tipo de armamento, esse tipo de solução de comunicação de massas. O TSE ensaia algum tipo de controle, mas perto do que a gente lê daquilo que é declarado pelos próprios dirigentes das empresas que executam esse tipo de campanha, é tudo muito distante.

 

— O tema é muito complexo para estruturas que são analógicas.

— Existe uma resistência muito grande das pessoas quererem lidar com esse tipo de informação. Minha área de interesse e atuação desde os 17 anos é psicologia e psicanálise, apesar de não ter me tornado profissional da área de psicologia, todos os trabalhos que faço na vida, seja de comunicação ou de empreendedorismo, são norteados por uma visão, que eu gosto de falar, que é psicanalítica dos processos. Quando a gente está diante de processos que são muito difíceis de serem entendidos e muito distantes da nossa capacidade, a tendência é a gente não querer lidar com isso. O que eu tenho falado e o que eu coloco aqui são dados públicos em que faço uma leitura um pouco mais didática e tentando amarrar as pontas.

Isso, que deveria ser uma pauta discutida diariamente por instituições, partidos políticos e movimentos interessados na manutenção das democracias no Brasil e no mundo. Mas é tratado de forma muito rasa e superficial. O método de fake news que incomoda hoje lideranças partidárias é só a ponta do iceberg. E é uma operação muito robusta, eficiente e que só tende a ficar mais sofisticada. A tendência é: quando você usa um modelo que dá certo do ponto de vista da operação psicológica, que trabalha com dados de usuários, todos conectados e hoje isso é uma realidade, mais de 90% da população está conectada via celular e está fornecendo dados sobre o seu perfil psicológico para empresas que tratam isso de forma profissionalizada.

Vou fazer uma leitura do perfil psicológico do fulano, quais textos lê, em que momento lê, qual autor político está lendo hoje, quais assuntos pessoais vê durante a noite e de qual segmento. Está com depressão ou não… Vai se separar, tem conflito com a mãe… Tudo isso é declarado pelas empresas. Está estratificado. Estamos abastecendo bancos de dados que, com um clique, é possível traçar o perfil psicológico do fulano e entender o momento da vida que está vivendo. Isso dá condição para que os operadores dessas empresas, que não se vendem mais como marqueteiros. São empresas de operações psicológicas. Eles se vendem assim. Não trabalham um conceito político. Fazem análises de perfil psicológico e produzem dezenas ou centenas de campanhas direcionadas a cada perfil psicológico.

Por isso que, por exemplo, aquela campanha que ficou mais explícita contra o Haddad, das mamadeiras, não foi descoberta pela coordenação da equipe até ela fazer o estrago que fez. Porque isso não chegava neles. Chegava no público que acreditava nisso. O que chegava neles eram outros tipos de peças que tinham função ou de converter aquelas pessoas que eram persuasíveis — é um termo que eles mesmos usam — ou de, no mínimo, neutralizá-las.

 

— Como assim?

— Você pode neutralizar uma pessoa simplesmente a impedindo de fazer campanha ou a desmotivando a ir votar ou a defender um candidato. Eles fazem isso com muita eficiência. Só para fechar a ideia da eficiência da dinâmica desse tipo de campanha, eles têm como principal diferencial o que chamam de “micro target”. Isso está no power point deles. Vou reforçar. Isso não é teoria da conspiração, nem ficção científica. Está descrito nos processos deles e é aferível para depois se checar os resultados. Então, contra o “micro target”, contra esse tipo de atuação de comunicação via redes sociais, via equipamentos de comunicação em massa, ainda temos aquela publicidade institucional, seja do TSE ou partidária, que ficam tentando fazer o contraponto com o que eles [Cambridge Analytica] chamam de “blanket advertising”. Isso é aquela publicidade que se espera com uma única peça de comunicação atingir toda a população. Isso foi verdade em 1960, 1970 e 1980, porque a luta era de propaganda de massa contra propaganda de massa. Hoje, você não tem por esses grupos um trabalho de uma campanha de massa. O que se tem são peças de comunicação direcionadas para cada perfil psicológico que já está mapeado.

 

— A ultradireita usa isso de forma sofisticada por que tem dinheiro?

— Vamos deixar claro. A Cambridge Analytica, sempre que me refiro a ela, estou falando de Steve Bannon e de um grupo de bilionários, descobriu nessa ferramenta uma forma de exportar para o mundo os projetos da extrema-direita. E é grave por isso. Porque quem se apoderou dessas ferramentas são grupos extremistas, de supremacistas brancos, de projetos neoliberais extremos. Eles estão replicando isso para o mundo democrático. Ficou muito fácil sobretudo porque eles estão jogando sozinhos. Vencem por W.O.

 

— Em 2018, nenhuma das plataformas tinha qualquer instrumento de limitação ou regulação de discursos de ódio. De lá para cá, houve algum avanço? Hoje, se diz que o Telegram é o grande problema por não ter controle algum e nem mesmo escritório no Brasil. Qual é a realidade?

— Eu não acredito que tenha qualquer ocorrido grande avanço relevante para neutralizar o tipo de ação que a gente viu em 2015, 2016 e 2018. Não acredito por causa de alguns fatores. Primeiro, historicamente, Facebook, WhatsApp e Google negam sistematicamente que os dados sejam vendidos, compartilhados ou usados de qualquer forma que manipule as massas. Mas isso é a base do negócio deles. Tem uma coisa que pode ser mais grave: a cúpula dessas empresas, obviamente, sofrem interferências políticas do “Deep state”, seja trabalhando a favor de um candidato ou de outro. A turma da Cambridge, por exemplo, tinha dentro do comitê de campanha do Trump uma equipe ligada à direção do Facebook para orientar sobre compras de publicidade com mais eficiência ao longo da campanha.

Essa polêmica sobre o Telegram é pontual. Hoje, a plataforma em que se roda com mais facilidade e tranquilidade para operar difusão de mensagens sem interferência é o Telegram. Mas vai continuar rodando no WhatsApp com as limitações que a empresa impõe.

 

— E a resposta da esquerda a tudo isso? Existe solução alternativa ou o caminho é pressionar as empresas para que elas bloqueiem?

— O primeiro passo é querer entender e olhar para isso. Sou muito contaminado pelo viés da psicanálise e da psicologia. E um preceito da psicanálise é: só se dissolve um sintoma se se quiser enfrentar esse sintoma, descobrir a origem e compreender o motivo psicológico que o gerou. Acho que tem uma reação da esquerda que é muito ruim, que é ignorar esse processo. Ignorar no sentido de que teria que ser prioridade para a esquerda ter grupos entendendo esses processos. Entendendo de fato. Não é falar, “o perigo agora é o Telegram, então temos que ter cuidado com esse aplicativo” ou “ah, tem fake news”. Gente, isso é super superficial. Quero saber o seguinte, nos grupos ligados à esquerda têm cientistas de dados, têm grupos de conhecimento de psicologia comportamental? Ou ainda se busca o modelo da comunicação “Mad Men”, que está estampado no power point do Steve Bannon? Vamos continuar tomando as mesmas surras.

 

— Há uma falha na comunicação das esquerdas?

— Tem uma coisa que me incomoda muito que é o seguinte: olha a quantidade de coisa que os governos de esquerda entregaram para o país e não conseguem estabelecer uma comunicação de defesa eficiente. Vamos pegar o que começou mais nitidamente a explicitar todo esse processo que foram as manifestações de rua por causa de R$ 0,20 de aumento no preço da passagem de ônibus. A mesma população que foi para a rua revoltada com o aumento de R$ 0,20 da passagem, não vai para a rua revoltada com a gasolina a R$ 7, com o dólar a R$ 6 ou sem condição de comprar carne ou sem condição de pagar pela educação dos filhos. É a mesma população. O que que tem de diferente no aumento de R$ 0,20 e na gasolina a R$ 7?

 

— A própria Globo não tem mais o poder de antes.

— Nas redes sociais, a ultradireita tem o monopólio da distribuição de conteúdo e das técnicas e tecnologias de difusão de conteúdo. É disso que estou falando. É muito grave. Eles conseguem fazer chegar no Ivan um tipo de mensagem diferente daquela que vai para o funcionário do Ivan, para o amigo do Ivan, para a tia e assim por diante. Vou pegar um exemplo que é a campanha de armas que a ultradireita faz no Brasil. Vou pegar os exemplos mais óbvios. Tem uma campanha super bem-sucedida a favor do porte de arma no Brasil. Essa é uma campanha bem-sucedida. Se você for entender o que era a discussão sobre armamento no Brasil há sete anos e o que é hoje, existe um discurso preponderante de que as pessoas têm direito de ter armas. Essa comunicação não é rasa e simples. Não é só o Bolsonaro subir num palanque e falar que todo mundo tem direito de ter armas. Isso faz parte. Agora, isso é a cereja do bolo. É o que é visto.

 

— A comunicação das esquerdas ainda é antiquada.

— Enquanto a gente vê os grupos institucionais ou de esquerda ainda recorrendo às pesquisas qualitativas no modelo tradicional em que você fica 15 dias selecionando pessoas de perfis específicos para ir numa sala assistir um vídeo e dizer o que elas acham, esses caras medem todo dia. Fazem isso o dia inteiro, com inteligência artificial. Sabem o que funciona ou não funciona.

 

— Isso tem origem nos chamados jogos de guerra.

— É uma coisa que trazem de uma experiência muito sintomática da origem da Cambridge, que nasce de uma empresa chamada SCL, criada para prestar serviço ao Departamento de Defesa americano, a CIA e os serviços de inteligência. Eles trabalhavam processos de operações psicológicas que eles chamam de “psi ops” em territórios em guerra ou em que os EUA e o Reino Unido tinham interesse de ter influência. Então, eles vêm dessa escola. Sabem como mudar o pensamento, fragilizar a vontade da população local de aderir ou não a determinado lado da guerra. Foi a partir dessa experiência, que chegaram ao mundo dos dados. Quando eles descobrem esse mundo, decidem aplicar esse tipo de metodologia, as operações psicológicas, em larga escala e de maneira muito mais eficiente. Daquele papelzinho que era jogado de helicóptero que falava para o cidadão do Iraque que os EUA iriam salvá-lo do Saddam Hussein porque ele tinha pacto com o diabo, desse papelzinho genérico e de publicidade Mad Men, eles migraram para um modelo supereficiente que é o do micro target.

 

— E uma parte das esquerdas se tranquiliza porque Lula está liderando as pesquisas. Pensam: “Então, estamos bem”.

— É onde mora o perigo. Em 2018, na eleição para o Senado em Minas, a Dilma liderava as pesquisas até uma semana antes da votação. E ela foi para 4º lugar nas eleições. Tem uma característica que a esquerda não deveria ignorar nesse processo. Após a derrota de lideranças como Dilma e [Roberto] Requião [candidato ao Senado no Paraná, em 2018], o massacre que foi aquela campanha, tem um gráfico interessante que se chama “Uma vantagem de pão de açúcar”. Ele mostra do dia 1º de outubro até 5 de outubro. Bolsonaro sempre estava muito acima dos adversários políticos nas redes sociais. No dia 6, despenca. Do dia 1º ao dia 5, a performance é absolutamente elevada. E, para mim, é onde se concentraram todos os ataques que a esquerda nem entende até hoje que aconteceram. Ela viu o ataque da mamadeira de piroca, mas e as outras dezenas, centenas de ataques que aconteceram muito provavelmente contra a Dilma e que não foi nem percebido, registrado ou visto, feitos com essas publicações que desaparecem no ar. São centenas, dezenas e milhares. Nos stories, nos grupos que não são mapeáveis.

 

— Os ataques a Lula nunca cessaram.

— O perigo para mim, primeiro, o Lula está na frente das pesquisas por situações extremas. As pessoas estão sem dinheiro para comprar uma carne, estão sem dinheiro para colocar gasolina no carro. Lula é um Pelé das comunicações. É um gênio. Na hora que abre a boca, ele tem espaço, conquista qualquer um. É um diferencial muito específico e vai dar sempre alguma vantagem a ele. Mas há que se ter cuidado porque as estruturas e tecnologias operaram em 2016 num período muito curto. E quando vier o ataque massivo super direcionado?

 

— Voltando aos cases…

— Lembra que a Cambridge Analytica declarava publicamente em 2015 que tinha 5 mil pontos de informação de cada eleitor americano? Isso é o que declaravam. Imagina de 2015 para cá?  P que eles não conseguiram em termos de mapeamento do eleitor brasileiro. Vou pegar um caso clássico que também não tenhamos visto com muita facilidade como uma ação de operação psicológica na campanha de 2016: você não via camisa vermelha na rua. Ficou proibido usar camisa vermelha porque você podia ser atacado. Criou-se um clima de que era a luta do bem contra o comunista mal, as pessoas ficaram completamente inibidas de ir votar com camisa vermelha. Isso não foi uma manifestação espontânea de medo ou de ódio.

 

— Foi o resultado de uma neutralização.

— De uma neutralização programada, testada em vários países com metodologias e tecnologias que eles usaram em diferentes locais. É um processo que descrevem com muita transparência: tem o eleitor persuasível, é o nome que eles dão, a quem se consegue mudar. E tem o eleitor que não se consegue fazer sair daquela posição político. Então, eles tentam neutralizá-lo.

 

— E sobre 2022, com o Lula na frente?

— Veja, a tecnologia de inteligência artificial melhora exponencialmente porque se acumula cada vez mais dados sobre as pessoas e esses dados vêm de todos os lados. Bannon e associados têm pesquisas qualitativas diárias, onipresentes na sua vida, medindo exatamente aquilo que você está sentindo e, inclusive — eles falam isso — até o momento em que a publicidade chega a esse usuário. “Vou mandar esse tipo de publicidade para o fulano no momento em que ele estiver em um conflito familiar”. Esse tipo de poder já está declarado, não é uma teoria da conspiração.

 

— O que você está dizendo, basicamente, é que eles estão lá reunindo informações dos eleitores do Lula ou dos indecisos e medindo exatamente o que precisam dizer a esses eleitores para que desistam de votar no Lula?

— Ou para esse eleitor se engajar menos na hora de fazer campanha. Ou para não ir votar. Ou para não se manifestar. Isso com o eleitor do Lula. Mas tem aqueles que eles nem vão perder tempo. Mas é isso. Nesse nível. E eu acho que é preciso entender o nível de sofisticação. Até o momento em que a publicidade vai chegar, se é num momento em que a pessoa está num conflito familiar, se é num momento triste ou feliz, hoje é possível mapear.

 

— Vai chegar num momento em que a pessoa estará sensível àquela mensagem.

— Exatamente. E aí qual que é o contraponto? Achar que vai ter um marqueteiro — e sou muito crítico à figura do marqueteiro — que vai ter uma ideia genial capaz de mobilizar toda a população brasileira para repensar que no tempo do Lula tudo era melhor? É uma briga muito desigual. Tenho muito receio.

 

— Bolsonaro tem uma tropa mobilizada.

— Vamos pegar um dado efetivo. Bolsonaro bateu 1 milhão de seguidores no Telegram. Contra 38 mil seguidores do Lula. Imagina o que é 1 milhão de pessoas disparando mensagens? Ou disponibilizando seus grupos para propagar mensagens pensadas para pessoas que pensam como elas? A esquerda tem do lado dela uma arma poderosa porque o Lula realmente é uma referência política e de comunicação no mundo. O Obama falou isso, o Steve Bannon sabe disso. Tanto é que disse que o Lula é o cara mais perigoso do mundo.

 

— Os ataques serão ainda maiores.

— Se o Lula é o cara mais perigoso do mundo e for lutar com arco e flecha contra drone, provavelmente essa luta fica muito arriscada de ser perdida. Essa imagem parece um pouco aquela dos drones atacando o Afeganistão, onde os “caras” explodem e não sabem nem porque estão explodindo. Tem uma coisa aí na guerra de marketing político hoje que é parecida com isso.

 

— Então, vamos morrer? [rindo]

— [rindo] Não, acho que não. Quando falo isso tudo é um alerta. Sem querer olhar para o problema, as esquerdas ainda têm 45 a 50% das preferência. Talvez precise conseguir mais 10%, 15%. Nas redes sociais, os caras estão ganhando por WO. Estão ganhando porque estão jogando sozinhos. E não é impossível fazer o contraponto, não. Eu acho que é difícil e difícil sobretudo do ponto de vista do investimento pessoal das lideranças de falar assim: “Gente, o que a gente fazia há 40 anos atrás não funciona mais. Para tudo, vamos rever os processos e, olha só, mesmo sob o ataque dessas ferramentas poderosíssimas a gente ainda segura 45% dos votos, 30% dos votos”. Mas se eles continuarem jogando sozinhos, a tendência é eles irem ficando maiores e a esquerda ir diminuindo. Eu acho que esse é o risco.