Vinte milhões de brasileiros estão passando fome. E a adoção da agenda do arrocho e da fome está ampliando a desigualdade social. O ex-presidente Lula denuncia: “Isso é resultado direto da mentalidade escravista das elites”

A adoção da agenda neoliberal pelos governos que sucederam Dilma Rousseff ampliaram a desigualdade social brasileira e está acelerando o aumento da fome e da pobreza. Levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), divulgado na quinta, 14, revela que o total de favelas no Brasil país, dobrou em dez anos e que nada menos que 20 milhões estão passando fome.

O número de famintos no país é igual à população do Chile. Este é o número de brasileiros que declararam passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias da semana. Mais 24,5 milhões não têm certeza de como se alimentarão no dia a dia e já reduziram quantidade e qualidade do que comem. Outros 74 milhões vivem inseguros sobre se vão acabar passando por isso.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu indignado ao terrível quadro social que o país enfrenta. Na sexta-feira, 15. durante o encontro dos movimentos do campo, das florestas e das águas: pela Vida e Contra a Fome, na Casa de Portugal, no centro de São Paulo, ele reafirmou que a volta da fome ao país “é resultado da mentalidade escravista” das elites brasileiras.

Ele também responsabilizou diretamente as reformas aplicadas desde o governo golpista de Michel Temer, aprofundadas por Jair Bolsonaro. “A gente pode produzir o que quiser, mas se o povo não tiver dinheiro, não come”, lamentou. “Estamos falando apenas de fome de comida. Mas temos muitas outras fomes. Nós temos fome de desenvolvimento, fome de emprego, fome de saúde, fome de fraternidade, fome de saneamento básico, fome de paz, fome de democracia. E, sobretudo, a fome de dignidade”, disse.

O levantamento da Rede Penssan aponta que mais da metade (55%) dos brasileiros sofreu de algum tipo de insegurança alimentar — grave, moderada ou leve — em dezembro de 2020. O estudo, conduzido pelas pesquisadoras que validaram no país a Escala Brasileira de Segurança Alimentar usada pelo IBGE, procurou dar sequência a levantamentos do órgão estatal, feitos a cada quatro anos, como anexo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) e Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).

Realizada em 1.662 domicílios urbanos e 518 rurais, a pesquisa trouxe números antes do repique inflacionário dos últimos meses, que deve ter agravado o quadro. Em setembro, o índice de difusão do IPCA para alimentos, que mostra o percentual de itens com aumentos, estava em 64%. Em 2019, quando a inflação equivalia a menos da metade da atual, a difusão nos alimentos era de 50%.

Dados do IBGE mostram que a insegurança alimentar caía no Brasil desde 2004, mas voltou a subir em todas as suas formas a partir da recessão de 2015-2016, e foi agravada após a derrubada de Dilma Rousseff da Presidência da República, em maio de 2016. Desde então, com o Brasil atravessando uma crise fiscal aguda, a pandemia e o governo Bolsonaro deteriorando expectativas com arroubos autoritários, o crescimento da economia foi medíocre. Nesse cenário, a criação de empregos informais e pior remunerados prevalece e achatou a renda dos mais pobres. Em seus domicílios, quase toda a renda é gasta em alimentos, transporte e moradia.

Desde 2014, segundo a FGV Social, o rendimento domiciliar real per capita do trabalho caiu de R$ 249 mensais para R$ 172, em média, na metade mais pobre do Brasil. Como trata-se só da renda do trabalho, muitos desses domicílios podem ter outros rendimentos, como da Previdência ou do Bolsa Família — mas a queda dá a dimensão do aperto orçamentário dos últimos anos.

Além do aumento na insegurança alimentar, o alto desemprego e a queda da renda nos últimos anos fez explodir o número de favelas no Brasil. Em dez anos, mais que dobraram. Segundo estimativa do IBGE, o total de “aglomerados subnormais” (favelas, palafitas, etc.) saltou de 6.329 em 323 municípios para 13.151 em 734 cidades de 2010 a 2019. Caracterizadas por padrão urbanístico irregular e falta de saneamento básico, as moradias nessas condições aumentaram de 3,2 milhões para 5,1 milhões no período.

No encontro da sexta com movimentos sociais, Lula disse que o quadro atual é dramático. “Sou velho, estou falando do passado. Deveria estar falando do futuro. Mas essa gente que cassou a Dilma falando em fazer a ‘ponte para o futuro‘, olha a ponte que nos deram: um purgatório. Essa gente faz autocrítica? Não, eles querem a continuidade disso”, ressaltou.

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