No domingo, 3, graças à investigação jornalística internacional que divulgou os chamados “Pandora Papers”, o Brasil soube que, entre outros, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, principais figuras do governo no comando da economia, têm empresas registradas em paraísos fiscais. Guedes, inclusive, aportou anos atrás quase US$ 10 milhões em uma delas. Ele foi convocado pela Câmara dos Deputados para dar explicações sobre o tema.

Paraísos fiscais são Estados nacionais ou regiões autônomas nos quais as empresas instaladas são protegidas pelo sigilo sobre sua composição societária, titularidade de bens ou direitos ou operações realizadas e onde as alíquotas dos tributos são muito baixas. Com isso, atraem investidores de todo o mundo, que os procuram com o objetivo de pagar menos imposto do que pagariam nos países em que residem ou nos quais sua riqueza é gerada.

Os paraísos fiscais também são procurados para ocultar patrimônio acumulado de forma ilícita por meio da corrupção. Isso é usado pelo tráfico de drogas ou outros negócios ilegais. Há também quem queira, ainda, sonegar tributos. Quando o objetivo da aplicação no exterior é mais justificável, como nos casos em que se busca diversificar os investimentos ou se proteger da instabilidade política e econômica no país de origem, paraísos fiscais não são necessários.

Com suas baixas alíquotas tributárias, os paraísos fiscais beneficiam os poucos privilegiados, geralmente muito ricos, de quem recebem recursos, e contribuem para reduzir a arrecadação dos Estados nacionais. Com isso, reduzem a capacidade de nações de investir e promover políticas públicas que melhorem a vida da população.

Ao zelar pelo sigilo e pela opacidade sobre a origem e as atividades das empresas, os paraísos fiscais facilitam o financiamento de atividades ilegais que espalham pobreza e violência ao redor do mundo. Ainda, ao concentrarem grande volume de recursos líquidos e manterem ampla flexibilidade e regulação frouxa sobre as transações, propiciam ataques especulativos que elevam a instabilidade financeira global, o que atinge em especial as economias em desenvolvimento. Os paraísos fiscais são, assim, fortemente prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social. Por isso, não surpreende que as críticas a seu papel sejam cada vez mais comuns.

Diante disso, é pertinente perguntar: por que razão os hoje funcionários do alto escalão do governo do Brasil teriam decidido criar empresas e transferir recursos para paraísos fiscais e por lá mantê-los mesmo após assumirem seus cargos atuais?

Teria sido para pagarem impostos mais baixos que a maioria absoluta dos brasileiros, que não têm como fazer o mesmo que eles? Ou seja, para dar uma contribuição menor que a por eles devida para o custeio das atividades estatais que atendem a toda a população? Ou porque teriam algo a esconder sobre a origem desses recursos?

Em suas declarações após a revelação da propriedade das empresas, nenhum dos funcionários sugeriu qualquer indício de resposta para essa questão chave. Em seu lugar, têm preferido defender a legalidade da situação, que, inclusive, teria sido comunicada às autoridades competentes.

Contudo, mesmo em relação a isso, as dúvidas persistem e exemplos de conflito de interesses que as alimentam têm sido apontados. Dificilmente elas serão dirimidas apenas com novos pronunciamentos.

Somente a apresentação das partes pertinentes das declarações de rendimentos entregues à Receita Federal antes de assumirem suas funções, bem como das duas declarações apresentadas desde então, poderá comprovar que suas evoluções patrimoniais no exterior foram devidamente declaradas. Ainda precisam mostrar que não se beneficiaram de decisões tomadas por eles próprios no governo.

Se isso nada diz sobre as razões que motivaram o uso da nefasta figura dos paraísos fiscais, ao menos dissiparia suspeitas de que tenham omitido informações ou cometido ilegalidades no governo para aumentar seu patrimônio. É fundamental que não paire esse tipo de dúvida sobre funcionários com responsabilidades tão elevadas. Eliminá-las, se infundadas, está em suas mãos.

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