O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei sobre Fake News, deve apresentar na próxima semana uma proposta de texto para o PL 2630, aprovado no Senado em 2020. Já é certo que o deputado fará propostas de alteração, que farão o texto voltar ao Senado. Entre os pontos centrais do texto estão as regras gerais para moderação de conteúdo por parte das plataformas, as estratégias de combate a fake news nos aplicativos de mensagens e as regras específicas voltadas às contas de agentes políticos e órgãos da administração pública.

O projeto vem sendo debatido desde o ano passado na Câmara dos Deputados, depois de aprovado no Senado. Embora não seja – nem tenha como se tornar – um projeto que dê conta de definir um marco regulatório amplo e compreensivo sobre redes sociais, o PL 2630 pode ampliar os instrumentos para combate às fake news e apontar responsabilidades a quem dissemina desinformação. Em um cenário em que redes sociais e aplicativos de mensagem seguem fundamentais para a disseminação de conteúdo desinformativo, a perspectiva de redução de danos é fundamental.

O projeto aprovado no Senado tem pontos reconhecidos como positivos, como as obrigações amplas de transparências sobre as regras de funcionamento das redes sociais. Outros pontos são mais polêmicos, mesmo entre organizações e agentes políticos do campo progressista.

Em relação à moderação de conteúdos pelas redes sociais, o desafio é encontrar um equilíbrio entre viabilizar a remoção de conteúdo desinformativo por parte das plataformas e impedir que elas tenham poder absoluto sobre o debate público. No cenário atual, as plataformas agem pouco, ao permitir a distribuição indiscriminada de desinformação — lucrando com isso, inclusive —, e por vezes agem de forma arbitrária, ao remover conteúdo legal e legítimo, que deveria ser protegido.

Em um cenário ideal, a legislação deveria estabelecer parâmetros públicos que guiassem a definição das regras internas das plataformas, para evitar abusos ou leniência. A aplicação dessas normas seria feita em primeiro lugar pelas empresas, mas monitorada por um órgão regulador que sancionaria as plataformas significativas para o debate público quando sistematicamente deixassem de aplicar suas próprias regras ou de garantir os direitos dos usuários – sem que tivesse poder de atuar sobre casos individuais.

No atual contexto, porém, é impossível pensar um novo modelo regulatório, já que o Poder Executivo não é comprometido com o combate à desinformação. Ao contrário, o governo Bolsonaro faz uso sistemático de fake news como estratégia política.

Nesse cenário, o projeto deve garantir regras amplas de transparência e devido processo, que impeça ações discricionárias e não isonômicas por parte das plataformas na moderação de conteúdo. Em relação às contas de agentes políticos, é possível estabelecer garantias para evitar arbitrariedades por parte das plataformas, mas eventual garantia maior deve vir acompanhada de maior responsabilidade, impedindo que as contas sejam usadas contra os princípios da administração pública.

 

Aplicativos de mensagem

A maior polêmica do projeto, contudo, é como combater a desinformação nos aplicativos de mensagens. O fato de aplicativos como WhatsApp e Telegram combinarem o caráter interpessoal com funcionalidades que permitem ampla viralização e comunicação de massa cria o desafio de, ao mesmo tempo, proteger a privacidade e os dados pessoais no caso da comunicação interpessoal e viabilizar a responsabilidade legal de quem faz disparo de mensagens ilícitas para viralizar ou atingir grande quantidade de usuários.

Nesse sentido, o projeto precisa buscar maneiras de equilibrar os direitos à liberdade de expressão — nas suas dimensões individual e coletiva —, proteção de dados e privacidade. A solução aprovada no texto aprovado no Senado, definida no artigo 10, prevê o rastreamento da cadeia de mensagens para chegar ao remetente original no caso de mensagens virais. A solução busca equilibrar direitos, mas recebeu críticas de setores da sociedade civil que consideram que a medida é desequilibrada e ineficaz.

A tentativa de corrigir eventuais falhas no artigo 10 não deve dar espaço para medidas fracas e sem capacidade de enfrentar o problema. Ainda que não haja ‘bala de prata’ para acabar com a desinformação nos aplicativos de mensagens, é preciso atuar na direção de mitigar seus efeitos, reduzir danos e viabilizar a responsabilização legal dos que propagam conteúdo que afeta direitos individuais e coletivos.

O caminho mais promissor parece ser combinar a obrigação de que as plataformas garantam total sigilo ao conteúdo e aos metadados das mensagens interpessoais. E, ao mesmo tempo, viabilizem a responsabilização legal no caso de mensagens ilícitas que tenham atingido público amplo. Há várias maneiras de se fazer isso, mas o essencial é garantir o resultado, independentemente do método.

O projeto tem ainda outros pontos em aberto, como a definição de qual órgão será responsável por acompanhar sua implantação – pode ser um conselho ligado ao Congresso Nacional ou o próprio Comitê Gestor da Internet. São necessários também ajustes em partes trechos que estabelecem medidas muito rigorosas de identificação dos usuários. O fundamental é não perder a oportunidade para atacar o problema e reduzir danos, tenham eles com impacto eleitoral, ou sobre direitos individuais ou coletivos.

`