A deflagração da ditadura civil-militar de 1º de Abril de 1964 foi um balde de água fria na crescente popularização da cultura popular no Brasil. Ainda vivendo sob a “ressaca” do golpe, um grupo de artistas e intelectuais, liderados pelos dramaturgos a atores Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), Paulo Pontes (1940-1976) e Armando Costa (1933-1984), e sob a direção de Augusto Boal, resolveram criar um show-manifesto de resistência no antigo Teatro Opinião, no Rio de Janeiro.

O primeiro show tinha a participação da cantora Nara Leão (1942-1989) e dos compositores negros Zé Kéti (1921-1999) e João do Vale (1934-1996). Em 13 de fevereiro de 1965, surge a cantora baiana Maria Bethânia Viana Teles Veloso. Convidada por Nara, a musa da Bossa Nova, para substituí-la no Opinião, Bethânia virou o grande espetáculo de contestação ao regime na cena cultural carioca.

Surpreendida pelo convite, a cantora, que até então só tinha participado de apresentações amadoras em Salvador, resolve vencer a timidez e o embaraço inicial e parte para o Rio de Janeiro. Já na primeira apresentação, a célebre interpretação de “Carcará”, de João do Vale, encanta o público e trás luz para a cantora que, emplacando um sucesso atrás do outro, tornou-se uma das mais premiadas e recordista de vendagens entre os artistas de sua geração.

“Carcará, lá no sertão/ É um bicho que avoa que nem avião/ É um pássaro malvado/ tem o bico volteado que nem gavião…/ Carcará é malvado/ é valentão/ É a águia de lá do meu sertão/ Os burrego novinho num pode andar/ ele puxa no imbigo inté matar…/ Carcará pega, mata e come/ Carcará não vai morrer de fome”.

Dona de um ecletismo ímpar, ao longo da carreira profissional de mais 50 anos, Bethânia ajudou a promover um significativo número de compositores e instrumentistas que tiveram na sua voz a sua porta de entrada para o reconhecimento: Gonzaguinha, Luiz Melodia, Caetano, Gil, Milton Nascimento Chico Buarque, Zé Kéti, João do Vale, Dorival Caymmi, Edu Lobo, Noel Rosa, Tom Jobim, entre outros. Todos compõem a extensa lista de artistas que tiveram suas composições marcadas na voz da estrela baiana.

Participante ativa do espetáculo Doces Bárbaros, juntamente com o irmão Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, em 1976, Bethânia — a única não oriunda do movimento Tropicalista — surpreendeu pelo grau de integração e interação, sendo um dos principais destaques da temporada.

Entre álbuns ao vivo, de estúdio e com participações exclusivas, Bethânia lançou 65 LPs e CDs. Um grande sucesso de sua carreira foi o disco “As canções que Você Fez pra Mim”, onde interpreta grandes sucessos da dupla Roberto e Erasmo Carlos.

São memoráveis ainda as suas gravações em dueto com Edu Lobo e Chico Buarque, que integram a galeria de gravações ao vivo que ficaram na história.

Ao completar 75 anos de vida — e 56 de carreira — Bethânia segue diversificando seus cantares e declamações pelo mundo. Interprete de sentimentos variados, ela mantém firme sua indignação quanto às mazelas que cercam o dia a dia do país e mantém viva a chama de defesa dos indígenas, dos negros e daqueles que sofrem a intolerância e o desmazelo em solo pátrio.

`