O ano de 2021 está sendo marcado por manifestações históricas do movimento indígena. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), manteve, desde o início da pandemia da Covid-19, uma agenda virtual de comunicação e de articulação entre as lideranças indígenas. O Acampamento Terra Livre, tradicional mobilização anual dos índios em Brasília, realizou-se de forma virtual em 2020. Porém, com o avanço da vacinação nas aldeias e o acúmulo de ameaças, delegações indígenas de vários estados vieram a Brasília em junho, em defesa de seus direitos e sem qualquer convocação.

Entre as ameaças destaca-se o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da tese do “marco temporal”. Segundo esta interpretação, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse na data da promulgação da Constituição — 5 de outubro de 1988) —, excluindo os que haviam sido expulsos delas durante a ditadura militar. Com o julgamento marcado para o final de agosto, a APIB convocou o acampamento Luta pela Vida, que reuniu na Esplanada dos Ministérios mais de seis mil representantes de 176 povos, de todas as regiões do país.

A prévia imunização foi condição para integrar as delegações. Todos foram testados na chegada a Brasília e no retorno às aldeias. Usaram máscaras e álcool gel, mantiveram distanciamento mínimo entre as barracas e durante as manifestações, e foram assistidos por profissionais de saúde da Fiocruz. A organização foi exemplar.

O julgamento, entretanto, continuou em setembro e a mobilização também, só interrompida pelas manifestações golpistas do 7 de Setembro, mas retomada logo depois. Foi a maior mobilização já ocorrida nos últimos 30 anos, na qual a grande maioria dos indígenas repudiou o “marco temporal”, que o governo e os ruralistas querem impor — pressionando o STF e enviando projetos de lei ao Congresso. O julgamento foi suspenso em 15 de setembro por um pedido de vistas e ainda não tem data para retornar à pauta.

 

Virando o jogo

Além de estar na linha de frente da resistência aos retrocessos do governo Bolsonaro, o movimento indígena prepara sua participação no processo eleitoral de 2022. A eleição da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR) e a candidatura de Sônia Guajajara, a vice-presidente (PSOL) em 2018, estimularam um aumento de candidaturas indígenas em 2020, tendência que deve continuar em 2022.

Os povos indígenas se destacam na resistência e reivindicam a sua presença na reconstrução do país. Querem solução para a demarcação das terras que ainda estão pendentes. Para os índios, a terra não é uma questão patrimonial, mas uma condição de vida, de acordo com suas culturas.

Os povos indígenas esperam que o próximo governo recupere e fortaleça a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), assim como outros programas fragilizados pelo atual governo. Exigem, com urgência, que seja retomada a proteção às áreas com presença de índios isolados, assim como a retirada de garimpeiros e outros invasores das terras indígenas.

Os índios e os demais povos da floresta querem que os investimentos do governo na Amazônia considerem as suas necessidades de logística e de infraestrutura, facilitando o acesso aos mercados dos produtos que produzem. Querem dispor de tecnologias digitais e de comunicação à distância, que facilitem a inclusão das suas comunidades. Querem energias limpas, que melhorem a sua qualidade de vida e os livrem da dependência do óleo diesel,  que é poluente e consome a sua renda.

E querem mais: que seus territórios e formas de vida sejam considerados em uma estratégia nacional de enfrentamento às mudanças climáticas; que os seus próprios projetos econômicos, compatíveis com a proteção das florestas, sejam apoiados pelas políticas de Estado, em vez de atenderem apenas a interesses de terceiros sobre as terras indígenas. Querem, por fim, participar de relações saudáveis, como o turismo de base comunitária, artesanato, produção agrícola tradicional e não da economia predatória, que a sociedade envolvente terá que superar para sobreviver.

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